quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012







A pergunta de um milhão de dólares

* Por Fernando Yanmar Narciso

Então, depois de passar dias insistindo no site de namoro, aquela garota linda enfim aceita conversar com você. Conversa vai, conversa vem, até que em meio aos bipes e bopes do chat, ela lança aquela perguntinha fatal, que já destruiu desde uniões afetivas até eleições políticas... “Então você NÃO acredita em Deus?”.
Qualquer ateu já deve ter passado por esse dilema. E agora, José? Trai todas as suas crenças – ou a falta delas – em nome de um beijo e, quem sabe, um entra-e-sai, ou responde na lata e se despede dela para sempre?
Incrível como até hoje uma pergunta tão simples tenha tanto poder para destruir coisas que poderiam vir a ser belas! Ainda não criaram pergunta melhor para testar o preconceito das pessoas. Quer dizer, pra mulher o sujeito pode ser bandido, traficante, vender carga roubada, pode até ter feito gêmeos na própria avó, basta dizer que acredita em Deus que pra ela tá tudo bem, basta ele pedir perdão ao padre e já resolveu tudo. Mas se o cara for ateu, já era.
Por mais que neguem, a maioria dos religiosos O-D-E-I-A quem não acredita nas mesmas coisas que eles. Querem que você arda no inferno por isso, o que é no mínimo estranho, posto que toda seita, toda igreja vive repetindo que Deus é amor...
Deixemos a hipocrisia de lado, o papo de amor, alma gêmea e tudo o mais. Mulheres querem um escravo com conta bancária, homens querem entretenimento carnal. Nada mais, nada menos. Todo o resto que acompanha o pacote é opcional de fábrica.
Não há coisa mais difícil de compreender que os humanos. Ao mesmo tempo em que repetimos quase todo dia que somos livres, que adoramos viver sem amarras, basta vir um rabo de saia esvoaçante ao vento que enfiamos na privada nosso discurso libertário e lá vamos nós atrás dele. As mulheres de hoje gostam de se auto-afirmar, bater no peito e dizer “Sou mais eu!” “Minha vida e minha carreira são mais importantes que qualquer homem!” Então, quando menos esperam, lá estão elas, largadas no chão do banheiro de casal tal qual Liz Gilbert, chorando e tentando entender como puderam sabotar tanto o que acreditavam. Nós não fomos criados para suportar a liberdade por muito tempo. Graças ao sedentarismo da vida adulta, temos necessidade de criar raízes em algum lugar e em alguém. Como minha avó dizia, para cada sapo nasce uma sapa.
Não sou nenhum especialista em amor e paixão, mas acredito na velha máxima que os opostos se atraem. Quantas vezes já não vimos casais que não têm nenhum ponto em comum e vivem juntos há mais de 30 anos? É uma coisa impossível de acontecer, mas imagine-se conhecendo alguém com pontos de vista exatamente iguais aos seus. Teria interesse em ficar com essa pessoa? Claro que não, afinal o principal ingrediente para um relacionamento duradouro é a nossa enorme capacidade de apontar defeitos no outro. Ninguém consegue viver sem reclamar. Seguindo à risca essa idéia, creio que um religioso só poderia ter interesse por um ateu, israelenses só podem se casar com palestinos, lobos com ovelhas, leões com escravos, ratos de academia com obesos mórbidos e por aí vai. Sempre haveria um motivo pra começar uma conversa, a relação teria uma imprevisibilidade eterna. O que fez de nós o que somos hoje é justamente nossa perfeita desarmonia.

• Designer e colunista do Literário.

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