As cobaias humanas
O julgamento de maior repercussão, no Tribunal de Crimes de Guerra de Nuremberg, na Alemanha, ao término da Segunda Guerra Mundial, foi o que ficou conhecido como “Processo dos Médicos”. Ali foram julgados profissionais de Medicina que realizaram toda a sorte de experiências biológicas, tendo como cobaias prisioneiros dos campos de concentração, notadamente os de Auschwitz e Dachau. Foi um desfile de horrores que mostrou até onde pode chegar (e chega) a crueldade do suposto Homo Sapiens. E os pilantras que fizeram esses experimentos ainda tinham coragem de dizer que eram “cientistas” e que não tinham nenhum interesse político e nem ideológico em suas ações, mas que agiram daquela forma “para o bem da humanidade”.
Os médicos acusados (todos condenados e executados) foram vários, mas o principal, o que suas vítimas sobreviventes tanto queriam que estivesse no banco dos réus, Josep Mengele, não esteve lá. Estava foragido e nunca foi julgado por seus hediondos crimes. Há versões que dão conta de que ele chegou a ser prisioneiro das forças aliadas responsáveis pela derrocada de Adolf Hitler e de seu pavoroso III Reich (que o ditador garantia que duraria mil anos). Ele teria sido confinado no campo de Idar-Oberstein, em 1945, de acordo com depoimentos de um ex-soldado norte-americano, Walter Kemphthorne, engenheiro aeronáutico aposentado, residente em Riverside, na Califórnia.
De uma forma ou de outra, todavia, Mengele teria burlado as autoridades aliadas, que não o identificaram corretamente (vá se saber por que!) e, assim, o “Anjo da Morte” de Auschwitz se livrou de comparecer perante os juízes militares de Nuremberg. Alguns testemunhos dão conta de que o criminoso de guerra esteve, de novo, em 1947, sob custódia norte-americana, desta feita em Viena, na Áustria, e de novo, por artimanhas que nunca foram explicadas, conseguiu, mais uma vez, escapar.
As experiências de Josep Mengele – parte das quais narradas por raras sobreviventes entre suas cobaias humanas – não diferiam muito (provavelmente nada) da dos seus colegas que pagaram com a vida por seus pavorosos delitos. Por que, então, o “Anjo da Morte” se tornou o principal foco da revolta generalizada contra esses médicos, que atuavam sem o mínimo sentido ético que sua profissão requer? Por várias razões. Uma, pelo seu cinismo e frieza, por enganar suas vítimas, simulando um que de bondade e respeito que nunca teve. Outra pelo fato de ter escapado das barras dos tribunais. Outra, ainda, por mostrar um prazer sádico, um quê de satisfação no sofrimento que infligia. E as razões se multiplicam e vão por aí afora.
Entre suas experiências destacam-se, por exemplo, as de pingar corantes (e não raro ácidos) nos olhos das crianças, principalmente recém-nascidas, para ver se mudavam de cor sem as cegar. Claro que não mudavam e que as vítimas ficavam cegas. Outro experimento relatado consistia em testar a capacidade de resistência de meninos e meninas (estas, não se sabe a razão exata, eram maioria), deixando os bebês dias e dias sem alimentação, para determinar quanto tempo seus organismos suportavam esse cruel jejum. A maioria morria de inanição.
Nos adultos, homens e mulheres, promovia castrações e laparotomias, por razões que só ele sabia (se é que sabia). Os testes que mais fazia eram os destinados a avaliar o limite de resistência à dor dos seres humanos. Para tal, infligia as mais terríveis e dolorosas torturas. A maioria das cobaias humanas, como dá para se deduzir, morria Alguns sobreviventes perdiam, para sempre, a razão. Outros conservaram esses traumas enquanto viveram, marcados, nos corpos e nas mentes, para sempre.
A maior obsessão de Mengele, todavia, era por pessoas com deficiências físicas congênitas, ou seja, de origem genética. Sempre que encontrava alguém assim, seus olhos brilhavam e era visível sua excitação. Protegia esses infelizes, guardava-os como inestimável tesouro, conservava-os como preciosos troféus vivos, como permanentes cobaias para seus “estudos”, para o que lhe viesse à distorcida e sádica mente. O mais chocante é que se tratava de um cérebro realmente brilhante, isto caso se dedicasse à pesquisa com ética e seriedade, como qualquer pesquisador científico de hoje. O fanatismo fez com que perdesse qualquer senso moral e agisse sem o mínimo senso ético e nenhuma humanidade.
Há relato de um episódio em que um polonês, que nasceu com seis dedos em uma das mãos, acabou sendo levado, por engano, para a câmara de gás. Mengele ficou possesso. Gritou, esbravejou, disse toda a sorte de impropérios e agrediu selvagemente o autor do erro, exigindo a mais rigorosa pu8nição para o infrator, no que foi atendido, dada sua ascendência na hierarquia do campo de concentração. Mas não fez isso por piedade ou por simpatia da “cobaia”. Fê-lo porque deram fim a um seu ”brinquedinho”.
Outra categoria preferida pelo “Anjo da Morte” eram os gêmeos, preservados (ao menos temporariamente) do destino de outras crianças, que morriam em conseqüência de suas experiências. Tanto que, das cerca de 1.500 que passaram por seu “laboratório”, apenas em torno de 200 sobreviveram para, depois da guerra, testemunharem contra ele. Se os gêmeos fossem também anões, aí a excitação de Mengele ia ao paroxismo. Sua satisfação, nesses casos, não tinha limites. Contudo, esses salvo-condutos genéticos duravam pouco tempo. Dependiam muito da fantasia e dos caprichos desse sujeito de dupla personalidade, ora o médico, ora o monstro.
No momento em que lhe desse na veneta, o “Anjo da Morte” submetia seus preciosos gêmeos às mais terríveis e hediondas experiências. A mais citada era a troca total de sangue entre os dois (ou três) espécimes. Por que fazia isso? Nunca explicou a ninguém. Aliás, nunca ninguém lhe cobrou a motivação de seus atos. Contava com total “carta branca” para agir como bem entendesse, a pretexto de estar “a serviço da ciência”. Havia casos em que Mengele injetava produtos químicos nas veias de um dos gêmeos e observava atentamente o outro, para ver se apresentava também alguma reação adversa. Achava que a gemealidade faria com que um sentisse rigorosamente o que o outro sentia, e vice-versa, como se fossem um único corpo, posto que duplicado. Tentava, pois, provar essa estúpida tese (o que, claro, nunca provou), causando a morte de dezenas de gêmeos.
Certo dia, Mengele, contrariando sua atitude de proteger e preservar as vítimas dotadas de aberrações genéticas, submeteu duas meninas judias, que reuniam, simultaneamente, duas das características que tanto apreciava (eram gêmeas e também anãs) a uma degradação chocante e absurda. Durante visita que recebeu de seu superior, o todo-poderoso Heinrich Himmler, no meio de uma festa em que o álcool rolava solto e a bestialidade latente não podia ser contida pelos freios da educação, o “Anjo da Morte” fez com que as duas impotentes e indefesas garotas dançassem nuas, para distrair os “ilustres” convidados. E as anãs gêmeas não tiveram outro recurso e nem a mínima escolha. Dançaram peladas sob incontroláveis gargalhadas e chacotas de todo o tipo, dos presentes, como se fossem artistas de circo cuja função fosse a de divertir a platéia e não as infelizes e indefesas crianças que eram, submetidas à sanha de tarados insensíveis.
Uma outra judia gêmea, sobrevivente de Auschwitz, que residia até não faz muito em Jerusalém (que morreu há uns cinco anos), ficou psicologicamente marcada para o resto da vida com uma imagem que nunca se apagou de suas retinas. Ela recordava-se, nitidamente, de ter visto no laboratório de Mengele um painel que “enfeitava” uma das paredes. Era um quadro composto por olhos humanos, dezenas deles, espetados com alfinetes, como se fossem borboletas. Como você se sentiria se visse algo assim? Conseguiria esquecer? Duvido.
Essa cena ficou marcada para sempre na memória dessa senhora, então uma garotinha de oito anos de idade. Tanto que, pelo resto da vida, nunca mais pôde comer carne, E, enquanto viveu, teve que tomar antibióticos para tentar se curar das inúmeras infecções que adquiriu em Auschwitz. É por isso, e muito mais, que Mengele se tornou o mais odiado dos médicos que se prestaram a esse ignóbil papel de fazer absurdas experiências biológicas em cobaias humanas. A maioria foi punida com a pena de morte, condenada no Tribunal de Nuremberg. O “Anjo da Morte”, porém, driblou, por quatro décadas, seus caçadores, para morrer afogado numa deserta praia de Bertioga, no litoral paulista, longe dos olhos do mundo .
Boa leitura.
O Editor.
O julgamento de maior repercussão, no Tribunal de Crimes de Guerra de Nuremberg, na Alemanha, ao término da Segunda Guerra Mundial, foi o que ficou conhecido como “Processo dos Médicos”. Ali foram julgados profissionais de Medicina que realizaram toda a sorte de experiências biológicas, tendo como cobaias prisioneiros dos campos de concentração, notadamente os de Auschwitz e Dachau. Foi um desfile de horrores que mostrou até onde pode chegar (e chega) a crueldade do suposto Homo Sapiens. E os pilantras que fizeram esses experimentos ainda tinham coragem de dizer que eram “cientistas” e que não tinham nenhum interesse político e nem ideológico em suas ações, mas que agiram daquela forma “para o bem da humanidade”.
Os médicos acusados (todos condenados e executados) foram vários, mas o principal, o que suas vítimas sobreviventes tanto queriam que estivesse no banco dos réus, Josep Mengele, não esteve lá. Estava foragido e nunca foi julgado por seus hediondos crimes. Há versões que dão conta de que ele chegou a ser prisioneiro das forças aliadas responsáveis pela derrocada de Adolf Hitler e de seu pavoroso III Reich (que o ditador garantia que duraria mil anos). Ele teria sido confinado no campo de Idar-Oberstein, em 1945, de acordo com depoimentos de um ex-soldado norte-americano, Walter Kemphthorne, engenheiro aeronáutico aposentado, residente em Riverside, na Califórnia.
De uma forma ou de outra, todavia, Mengele teria burlado as autoridades aliadas, que não o identificaram corretamente (vá se saber por que!) e, assim, o “Anjo da Morte” de Auschwitz se livrou de comparecer perante os juízes militares de Nuremberg. Alguns testemunhos dão conta de que o criminoso de guerra esteve, de novo, em 1947, sob custódia norte-americana, desta feita em Viena, na Áustria, e de novo, por artimanhas que nunca foram explicadas, conseguiu, mais uma vez, escapar.
As experiências de Josep Mengele – parte das quais narradas por raras sobreviventes entre suas cobaias humanas – não diferiam muito (provavelmente nada) da dos seus colegas que pagaram com a vida por seus pavorosos delitos. Por que, então, o “Anjo da Morte” se tornou o principal foco da revolta generalizada contra esses médicos, que atuavam sem o mínimo sentido ético que sua profissão requer? Por várias razões. Uma, pelo seu cinismo e frieza, por enganar suas vítimas, simulando um que de bondade e respeito que nunca teve. Outra pelo fato de ter escapado das barras dos tribunais. Outra, ainda, por mostrar um prazer sádico, um quê de satisfação no sofrimento que infligia. E as razões se multiplicam e vão por aí afora.
Entre suas experiências destacam-se, por exemplo, as de pingar corantes (e não raro ácidos) nos olhos das crianças, principalmente recém-nascidas, para ver se mudavam de cor sem as cegar. Claro que não mudavam e que as vítimas ficavam cegas. Outro experimento relatado consistia em testar a capacidade de resistência de meninos e meninas (estas, não se sabe a razão exata, eram maioria), deixando os bebês dias e dias sem alimentação, para determinar quanto tempo seus organismos suportavam esse cruel jejum. A maioria morria de inanição.
Nos adultos, homens e mulheres, promovia castrações e laparotomias, por razões que só ele sabia (se é que sabia). Os testes que mais fazia eram os destinados a avaliar o limite de resistência à dor dos seres humanos. Para tal, infligia as mais terríveis e dolorosas torturas. A maioria das cobaias humanas, como dá para se deduzir, morria Alguns sobreviventes perdiam, para sempre, a razão. Outros conservaram esses traumas enquanto viveram, marcados, nos corpos e nas mentes, para sempre.
A maior obsessão de Mengele, todavia, era por pessoas com deficiências físicas congênitas, ou seja, de origem genética. Sempre que encontrava alguém assim, seus olhos brilhavam e era visível sua excitação. Protegia esses infelizes, guardava-os como inestimável tesouro, conservava-os como preciosos troféus vivos, como permanentes cobaias para seus “estudos”, para o que lhe viesse à distorcida e sádica mente. O mais chocante é que se tratava de um cérebro realmente brilhante, isto caso se dedicasse à pesquisa com ética e seriedade, como qualquer pesquisador científico de hoje. O fanatismo fez com que perdesse qualquer senso moral e agisse sem o mínimo senso ético e nenhuma humanidade.
Há relato de um episódio em que um polonês, que nasceu com seis dedos em uma das mãos, acabou sendo levado, por engano, para a câmara de gás. Mengele ficou possesso. Gritou, esbravejou, disse toda a sorte de impropérios e agrediu selvagemente o autor do erro, exigindo a mais rigorosa pu8nição para o infrator, no que foi atendido, dada sua ascendência na hierarquia do campo de concentração. Mas não fez isso por piedade ou por simpatia da “cobaia”. Fê-lo porque deram fim a um seu ”brinquedinho”.
Outra categoria preferida pelo “Anjo da Morte” eram os gêmeos, preservados (ao menos temporariamente) do destino de outras crianças, que morriam em conseqüência de suas experiências. Tanto que, das cerca de 1.500 que passaram por seu “laboratório”, apenas em torno de 200 sobreviveram para, depois da guerra, testemunharem contra ele. Se os gêmeos fossem também anões, aí a excitação de Mengele ia ao paroxismo. Sua satisfação, nesses casos, não tinha limites. Contudo, esses salvo-condutos genéticos duravam pouco tempo. Dependiam muito da fantasia e dos caprichos desse sujeito de dupla personalidade, ora o médico, ora o monstro.
No momento em que lhe desse na veneta, o “Anjo da Morte” submetia seus preciosos gêmeos às mais terríveis e hediondas experiências. A mais citada era a troca total de sangue entre os dois (ou três) espécimes. Por que fazia isso? Nunca explicou a ninguém. Aliás, nunca ninguém lhe cobrou a motivação de seus atos. Contava com total “carta branca” para agir como bem entendesse, a pretexto de estar “a serviço da ciência”. Havia casos em que Mengele injetava produtos químicos nas veias de um dos gêmeos e observava atentamente o outro, para ver se apresentava também alguma reação adversa. Achava que a gemealidade faria com que um sentisse rigorosamente o que o outro sentia, e vice-versa, como se fossem um único corpo, posto que duplicado. Tentava, pois, provar essa estúpida tese (o que, claro, nunca provou), causando a morte de dezenas de gêmeos.
Certo dia, Mengele, contrariando sua atitude de proteger e preservar as vítimas dotadas de aberrações genéticas, submeteu duas meninas judias, que reuniam, simultaneamente, duas das características que tanto apreciava (eram gêmeas e também anãs) a uma degradação chocante e absurda. Durante visita que recebeu de seu superior, o todo-poderoso Heinrich Himmler, no meio de uma festa em que o álcool rolava solto e a bestialidade latente não podia ser contida pelos freios da educação, o “Anjo da Morte” fez com que as duas impotentes e indefesas garotas dançassem nuas, para distrair os “ilustres” convidados. E as anãs gêmeas não tiveram outro recurso e nem a mínima escolha. Dançaram peladas sob incontroláveis gargalhadas e chacotas de todo o tipo, dos presentes, como se fossem artistas de circo cuja função fosse a de divertir a platéia e não as infelizes e indefesas crianças que eram, submetidas à sanha de tarados insensíveis.
Uma outra judia gêmea, sobrevivente de Auschwitz, que residia até não faz muito em Jerusalém (que morreu há uns cinco anos), ficou psicologicamente marcada para o resto da vida com uma imagem que nunca se apagou de suas retinas. Ela recordava-se, nitidamente, de ter visto no laboratório de Mengele um painel que “enfeitava” uma das paredes. Era um quadro composto por olhos humanos, dezenas deles, espetados com alfinetes, como se fossem borboletas. Como você se sentiria se visse algo assim? Conseguiria esquecer? Duvido.
Essa cena ficou marcada para sempre na memória dessa senhora, então uma garotinha de oito anos de idade. Tanto que, pelo resto da vida, nunca mais pôde comer carne, E, enquanto viveu, teve que tomar antibióticos para tentar se curar das inúmeras infecções que adquiriu em Auschwitz. É por isso, e muito mais, que Mengele se tornou o mais odiado dos médicos que se prestaram a esse ignóbil papel de fazer absurdas experiências biológicas em cobaias humanas. A maioria foi punida com a pena de morte, condenada no Tribunal de Nuremberg. O “Anjo da Morte”, porém, driblou, por quatro décadas, seus caçadores, para morrer afogado numa deserta praia de Bertioga, no litoral paulista, longe dos olhos do mundo .
Boa leitura.
O Editor.
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Tenho grande interesse pela história da Segunda Guerra Mundial. Porém, ainda não consigo ser imparcial, ainda me choco.
ResponderExcluirLi sobre o "Anjo da Morte" e não consigo assimilar
os motivos ou entender o prazer que o movia.
Não gosto dessa associação com os anjos, me incomoda, como se uma nódoa viesse à tona.
Como se resgata isso? O que se faz com essa página sangrenta?
"...Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder."