segunda-feira, 1 de março de 2010




Meio século de consagração

* Por Sérgio Castanho

Escrevo sobre o monsenhor Fernando de Godoy Moreira no ano em que completa meio século de ordenação sacerdotal. Propositadamente, não direi nada a respeito da transcendência de sua vocação. Escolhi outro caminho, diferente da ladainha encomiástica que timbra por acompanhar o padre em seu percurso. Deixei de lado as batidas no peito e as invocações do receituário litúrgico. Preferi enveredar por outra senda, mesmo sabendo, por já longa vida, que todos os caminhos levam a Roma.

Roma locuta, causa finita. Quando Roma fala, a causa está terminada. E que disse Roma pela voz de dom Hummes? Disse que este ano, comemorando o 150º aniversário de morte do Cura d’Ars, o papa declarou que ele seria o ano do sacerdócio. Em toda parte do mundo se celebrará, reverberando o mandamento da cátedra de Pedro, a figura do sacerdote. Mesmo considerando os desvios que aqui e ali os padres podem cometer, o papa quer que se reverencie esse ser humano denodado, que se afasta dos gozos e luzes da vida do comum dos homens para se devotar, com humildade e carinho, aos outros homens e mulheres que precisam de seu aviso prudente nos desfalecimentos que ocorrem cotidianamente no mundo.

Mas que coincidência! O ano do sacerdócio, por decisão pontifícia, é também o ano do 50º aniversário de ordenação sacerdotal de monsenhor Fernando. São duas comemorações, dois repiques alvissareiros de sinos, uma pelos sacerdotes em geral, outra por esse sacerdote especial. Outra decisão pontifícia já ocorrera, há anos, coroando com um galardão eclesiástico a trajetória desse padre. Refiro-me ao título, que merecidamente recebeu de Roma, de monsenhor. O título se lhe pespegou à perfeição. Hoje, ninguém mais fala do padre Fernando. Todo mundo se refere ao monsenhor Fernando ou até simplesmente “monsenhor”.

Isso me faz lembrar de outro monsenhor que tive a honra de conhecer e até de privar de sua amizade: monsenhor Emílio José Salim. Para os alunos da sua Universidade Católica, que ainda não era “pontifícia” àquele tempo, ele era também simplesmente “o monsenhor”. Quanta sabedoria, que eloquência no púlpito, que mansuetude nas conversas amenas de fim de tarde na sua casa à margem do Rio Atibaia, em Sousas! Certa feita, já professor da PUC-Campinas, eu dava uma aula às 7h da manhã. Monsenhor Salim passou por uma das portas e, vendo-me sozinho dando aula, não teve dúvida: Tu solus peregrinus in Jerusalem? (Tu sozinho peregrino em Jerusalém?).

Monsenhor Fernando, a despeito de sua sólida preparação, pois, além de sacerdote formado em tempos mais exigentes, é também bacharel em Direito, não seguiu a carreira acadêmica. Preferiu, como Vianney, o cura d’Ars, ser um pastor de almas, dedicando-se à sua paróquia como quem se dedica à humanidade inteira. Como dizem os franceses, católicos até a raiz dos cabelos, – ma vie, ma paroisse, ou “minha vida, minha paróquia”.

A rigor, o aniversário de ordenação sacerdotal de monsenhor Fernando se dá a 19 de dezembro, pouco antes do Natal. Mas ninguém esperou esse dia para o homenagear. Durante todo o ano se festejou o jubileu.

Monsenhor Fernando gosta de se cercar de amigos. Mais de uma vez participei de uma dessas reuniões em que algumas dezenas de afeiçoados do monsenhor se reúnem ao redor de sua mesa e celebram, à semelhança do que o padre faz no altar, uma coisa cada vez mais difícil no mundo endurecido que por aí corre: a amizade! É a essa celebração que me refiro. Mas o que há de espantar isso de se reunirem amigos, irmãos, para celebrarem a amizade? Quam bonus et salutaris est esse fratres in unum! Como é bom e salutar estarem os irmãos na unidade! Nessas reuniões bebe-se o justíssimo vinho da amizade, palavra que tem a mesma raiz que amor. E reparte-se o pão que aquece o coração dos mais empedernidos na luta pela vida, na sobrevivência na selva...

Não direi mais nada. Remeto quem quer que tenha chegado comigo até aqui ao título destas linhas: monsenhor Fernando, amigo. Nada há que acrescentar.

* Professor doutor de História da Educação na Unicamp , é membro da Academia Campinense de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas



Um comentário:

  1. Boas amizades devem ser sempre
    celebradas, amigos são como
    tesouros.
    Longa vida à amizade.

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