Sedução que engana
A
beleza, assim como a feiura, não está nas pessoas, paisagens ou
coisas. Está no nosso interior. Prende-se aos nossos gostos e
critérios de avaliação estética. O que é feio para uns, pode não
o ser para outros e vice-versa. Ademais, há quem considere a beleza
não somente útil, como essencial e até transcendental. São os
artistas, que perseguem o belo ao longo de toda a vida. Buscam,
porém, a beleza que concebem por critérios estritamente pessoais.
Há,
contudo, quem a considere inútil e banal – ou por suposto
pragmatismo exacerbado (como diz o povão, “beleza não põe a
mesa”), ou por viver em um mundo sombrio e cinzento, repleto de
trevas e horror, ou por ambos motivos, não importa.
O
poeta Mauro Sampaio retrata o sentimento destes anti estetas, no
poema “Beleza inútil”:
“A
beleza inútil.
A
imóvel beleza sem reflexo.
Tudo
parte de dentro,
com
a percepção do imponderável.
O
que é, não é, sendo no momento.
O
apelo é interior.
A
necessidade desaparece.
O
amor é desfigurado e sem memória.
Os
gestos pararam.
O
movimento é emprestado.
A
presença é apenas de objeto.
O
tédio abre a boca em um bocejo enorme e inútil.
Inútil
como tudo o mais!”.
Fico
imaginando se, eventualmente, houvesse vida inteligente alhures e se,
a improbabilidade imensa de haver um encontro entre esses supostos
(por enquanto só imaginados) extraterrestres e nós furasse
espetacularmente e viéssemos a nos encontrar. Qual seria a impressão
estética dos ETs sobre nós? Tenho quase certeza que nos achariam
horríveis, monstruosos, assustadores. E que a recíproca seria
verdadeira.
Esse
encontro, claro, dadas as megadistâncias do universo, tem
probabilidade beirando o zero de acontecer. E essa só não é
absoluta porque o absolutismo, seja no que for que se pensar, é
restrito ao Criador de tudo o que há: galáxias, constelações,
estrelas, planetas, matéria, energia, as mais minúsculas e
invisíveis células etc.etc.etc. No mais... tudo é, pelo menos
teoricamente, possível (posto que improvável).
Nosso
hipotético ET, por exemplo, diante da mulher mais bonita da Terra,
certamente relutaria em se aproximar dela. Avaliaria os riscos de um
contato com uma criatura, na sua concepção estética, horrenda,
pavorosa, assustadora e monstruosa, e se afastaria logo dela.
Caso
fosse, realmente, aquele estereótipo que pintamos dos marcianos, ou
seja, um homenzinho verde, cabeça ovalada e sem cabelos, olhos
grandes (duas vezes maiores do que os nossos), sem cílios e nem
sobrancelhas, altura de no máximo 50 centímetros, com braços e
pernas extremamente delgados, a despeito de mãos e pés enormes e
desproporcionais, nos teria na conta de “mal feitos”.
Possivelmente,
o seu susto, diante da nossa presença, seria muito maior do que o
nosso face à dele.
Nosso
hipotético ET teria a conformação orgânica adaptável às
condições de seu planeta de origem, ou seja, à composição
química dos gases da sua atmosfera, à força gravitacional da sua
terra, à temperatura, pressão etc. etc. etc. Diz a mínima lógica,
portanto, que não poderia, em circunstância alguma, se parecer
minimamente conosco.
Daí,
para ele, nossa maior beldade ser, com certeza, criatura horrenda e
deformada. Estranharia, de cara, por exemplo, a existência de
cabelos. Acharia desproporcional ao conjunto tanto o tamanho dos
braços e pernas, quanto o torneado das coxas (que achamos tão belo
e sedutor), além das dimensões das mãos, dos pés, dos dedos, dos
olhos e vai por aí afora. E o que acharia dos seios? Horríveis!
Mesmo
para nós, que por instinto, consideramos um corpo humano maravilhoso
(alguns deles, claro, não todos), se o analisarmos, em relação,
por exemplo, às flores, com seu colorido e simetria, talvez venhamos
a mudar, e radicalmente, nosso conceito. Ademais, como tudo o que é
vivo, esse organismo que admiramos em todo seu esplendor, tende a
envelhecer, a murchar, a morrer e a se decompor.
Vem-me,
a propósito, à mente, trecho do romance “A Pata da Gazela”, de
José de Alencar, que anotei em minha agenda de trabalho, em que o
romancista constata: “O que é o corpo humano no fim de contas? O
que é o contorno suave de um talhe elegante, e a cútis acetinada de
um rosto ou de um colo mimoso? Um pouco de matéria a que a luz
transmite a cor, o espírito e a vida. Tirem-lhe esses dois alentos,
e verão que lodo impuro e nauseante ficam sendo aquelas formas
sedutoras”.
Por
isso, eu não estranharia nada, nada se algum hipotético ET que nos
visitasse (ou nós visitássemos seu planeta, não importa) se
aterrorizasse com a nossa aparência física, o que acho
absolutamente provável. Principalmente diante de um ser humano de
maior idade, considerando a possibilidade do seu processo de
envelhecimento se dar muito mais lentamente do que o nosso e dele
viver séculos (quem sabe milênios) e não meras sete ou oito
décadas, se tanto, como ocorre conosco.
A
beleza, portanto, assim como a feiura, são sempre relativas.
Principalmente a primeira, é, de fato, sedução enganosa. Caso nos
engane (e engana sempre e muito), não enganaria, sem dúvida, nosso
hipotético ET, que gritaria de pavor e fugiria espavorido para onde
suas pernas (ou asas caso as tivesse) o levassem, para bem distante
de nós. Como se vê, questão de ponto de vista…
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Deixando os Ets em seus planetas, a beleza humana é mágica. O gosto pessoal existe, em termos de preferência, mas ninguém tem dúvida quando está diante de um homem ou mulher bonitos. Não é preciso ensinar para saber. A beleza abre todas as portas. Uma pessoa bonita inspira inteligência e bondade, naturalmente. Pobres dos feios. Têm da pular muito para conseguir uma oportunidade.
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