Somos sentenciados?
A
vida nos foi dada à nossa revelia e tanto pode ser encarada como um
privilégio, um prêmio pelo fato de determinado espermatozóide
haver vencido uma árdua corrida de obstáculos, entre bilhões de
outros tantos competidores e fertilizado “aquele” óvulo
específico, entre centenas deles, quanto uma sentença, um tormento,
um castigo inescapável e injusto.
Podemos
dar uma ou outra interpretação e ambas serão, até certo ponto,
corretas. Isso, porque desconhecemos qual nosso destino depois da
morte (se é que haverá algum). Ou seja, ninguém sabe, com certeza,
se há algum tipo de vida melhor, além-túmulo, ou se tudo se
encerra por aqui e, quando nosso cérebro deixa de emitir impulsos
elétricos e nosso coração pára de pulsar, desaparecemos e
retornamos ao pó, sem deixar vestígios, a não ser lembranças que,
mesmo assim, um dia também se extinguirão.
Se
a verdade for o primeiro caso (e não temos nenhuma prova que o seja,
a não ser mediante a fé), nossa existência é, de fato, um prêmio,
que gozaremos eternidade afora. Se, todavia, for o segundo... Então,
somos, de fato, sentenciados, com a mais cruel e dura das sentenças.
Viemos
para um universo estranhíssimo, cercados de perigos por todos os
lados, submetidos a obrigações de toda a sorte, com raros e fugazes
momentos de prazer. Podemos ter alguma doença incurável, a nos roer
infatigavelmente as entranhas, em meio a atrozes sofrimentos, cientes
de que se aproxima o fim, sem que saibamos quando e como ele virá e
sem que, muito menos, possamos evitar.
Podemos
ser decapitados por algum fanático, ou mortos por algum pitbull, ou
alguma fera selvagem que fuja de um circo; ou assassinados por algum
maluco (ladrão ou policial que nos confunda com algum bandido); ou
atropelados por algum automóvel dirigido por um irresponsável etc.
etc. etc. As formas de morrer são as mais variadas possíveis, e
todas violentas (mesmo que o “sono eterno” nos venha durante o
“sono noturno”).
Embora
escapemos dessas tragédias, e levemos vidas razoavelmente alegres e
felizes, nunca estaremos a salvo de perigos. Podemos, por exemplo,
ser surpreendidos, a qualquer momento, pela paranoia de algum imbecil
submisso, que atenda a uma ordem suicida de algum idiota detentor do
chamado “poder”, que sem essa ou mais aquela, lance algum dos
milhares de artefatos nucleares que há por aí sobre nossa cidade e
nos destrua (e a todos os demais companheiros de “aventura”), em
pavorosa hecatombe.
Os
perigos que nos ameaçam (sem nenhum exagero), são tantos, que a
enumeração de “todos” eles, se isso fosse ao menos possível,
daria para preencher um volume da grossura de uma lista telefônica
da cidade de São Paulo. Cometas, meteoritos, vulcões, terremotos,
tsunamis (como o que se abateu sobre a Ásia em dezembro de 2004, que
foi tão forte, que tirou a Terra de seu eixo em quase um grau, o
que, certamente, trará conseqüências futuras, mesmo que não se
possa prever quais serão), são outras tantas possibilidades de
destruição do nosso judiado, depredado, superlotado e poluído domo
cósmico.
E
o que podemos fazer para evitar? Quanto às citadas catástrofes
naturais, não há nada, absolutamente nada que possa ser feito por
esta criatura ao mesmo tempo notável – por contar com consciência
e razão – e bronca e frágil – face ao esmagador poder da
Natureza – chamada, eufemisticamente, de Homo Sapiens.
Mesmo
sem nenhuma prova ou indicação razoável, prefiro, pois, crer na
primeira hipótese que levantei acima. Ou seja, a de que a vida tem
sentido e que é, sobretudo, uma fase de preparação para algo muito
melhor no porvir.
Morris
West escreveu o seguinte, a esse respeito, no romance “A Torre de
Babel”: “Somos concebidos sem consentimento, arremessados
soluçando em um universo estranho, com a sentença já escrita na
palma da mão impotente; um cancro devora-nos as entranhas, um
fanático com um machado corta-nos a cabeça; um tigre, fugido de um
circo de aldeia, despedaça-nos; um louco embriagado atropela-nos com
um automóvel; viveremos, sorridentes e loquazes, até que um idiota
submisso largue uma bomba de hidrogênio em nosso pátio”.
Há,
por acaso, qualquer absurdo ou exagero na constatação do romancista
australiano? Objetivamente, não vejo nenhum. Acho que Morris West
até que foi otimista diante da realidade da qual, sem sequer nos
darmos conta, procuramos fugir a todo o instante, para não
comprometer nossa sanidade mental. E você, amigo leitor, qual é a
sua intuição ou opinião? Recebemos, ao nascer, oportunidade ou
castigo? Nosso destino é a eternidade ou a eterna anulação? Somos
seres destinados a durar para sempre ou não passamos de mero e fugaz
desperdício de vida?
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Quando adolescente, achava que a vida seria um castigo e não queria ter filho para não condená-lo à morte. Amadureci, tive um filho,e, há poucos dias, falando com ele sobre a morte da minha prima, que era da minha idade, falamos sobre a morte em geral. Ele ficou pensativo, pois a severidade do tema assim exige. Assim como eu, ele achou horrível a ideia. Para mim, assim como não nos lembramos do antes de existir, também não teremos consciência alguma do não existir mais. Então, a vida é condenação, mesmo para pessoas que, como eu acham que viveram felizes a maior parte do tempo.
ResponderExcluir