Fogo sagrado
O
escritor Stuart Cloete, em seu ótimo romance “Balada Africana”
(tradução de Raul de Polillo, Boa Leitura Editora), afirma, em
determinado trecho: “É o fogo que faz o homem”. Exagero? De
forma alguma!
Trata-se
de um dos elementos mais abundantes no universo. O que é o sol se
não uma descomunal “fornalha”, uma explosão nuclear quase que
interminável? O que são as estrelas, se não isso também? O fogo,
pois, dependendo da intensidade e do uso que dele se faz, é o
salvador e o destruidor por excelência de todos os seres vivos. E do
homem, naturalmente.
Não
por acaso, quase todas as mitologias dedicam-lhe reverência e
respeito. Na grega, por exemplo, temos o mito de Prometheus, filho de
Iapetus e irmão de Atlas e de Epimetheus. Esse titã roubou o fogo
sagrado de Zeus e deu-o à humanidade. Pagou, claro, um preço
monstruoso pelo delito, cometido não em proveito próprio (diga-se
a seu favor), mas num ato de suprema generosidade com o homem.
O
senhor do Olimpo, todavia, não quis nem saber. Prometheus foi atado
aos Montes Urais e os abutres passaram a bicar-lhe o fígado, sem
cessar, num tormento sem fim. Se bobear, continuam bicando-o até
hoje. E continuarão fazendo isso até um suposto fim dos tempos. E
por que o titã fez o que fez, tendo que pagar um preço tão alto
por isso? Porque sem o fogo, os homens estariam desprotegidos e a
mercê, puramente, do acaso e dos elementos.
Cloete
afirma a propósito: “Em primeiro lugar, houve a arma – um grosso
bastão, que até ao que se sabe, os grandes símios de outrora
usaram. Depois, houve o fogo, que todas as feras temem. Há alguma
coisa de Deus no fogo”. E há mesmo. Mas não foram apenas os
gregos que reverenciaram esse elemento.
Na
mitologia hindu, Shiva está, intimamente, associada ao fogo, pois
ele representa a transformação. Nada que tenha passado por ele
permanece da mesma forma de antes. O alimento transforma-se (fica
cozido), a água se evapora e os corpos, cremados, viram cinzas. Isso
é que é poder.
Cloete
resume da seguinte forma o processo de civilização humana: “...
Houve os receptáculos, para que a água pudesse ser transportada. E
houve cães, domesticados para caçar. Por fim, surgiu a semente,
plantada ao invés de ser catada em estado selvagem; e os bandos e os
rebanhos de animais domesticados. Mas o rei disto tudo é o fogo. O
salvador e o destruidor”. E não é?!
Querem
mais exemplos da reverência humana ao fogo? Na mitologia germânica,
três gigantes se destacam, ora beneficiando, ora destruindo pessoas.
Um deles é o do gelo. Seria de se esperar isso, levando em conta que
se trata de um povo nórdico, sujeito às inclemências do clima que,
no inverno, não raro, chega a temperaturas muito abaixo de zero. O
segundo é o do vento, igualmente indomável e perigoso. Mas o
gigante mais forte e ativo é o do fogo que, quando benigno, livra o
homem do intenso frio, coze seus alimentos e o protege das feras. E,
quando irado... consome tudo, absolutamente tudo o que encontra pela
frente.
Na
mitologia dos índios brasileiros, temos a boitatá. E o que vem a
ser essa entidade? É uma cobra de fogo, que protege as matas e os
animais e tem a capacidade de perseguir (e matar) os que desrespeitam
a natureza. Essa crença é muito comum no meu Estado natal, o Rio
Grande do Sul, e está incorporada ao folclore local. E o que vem a
ser a tal da boitatá? Trata-se do fogo fátuo, ou seja, da queima
espontânea de gás metano, proveniente da decomposição de algum
animal (normalmente algum rês desgarrada) que tenha morrido de fome
ou de sede.
Mas
não foram apenas os meus conterrâneos que cultivaram esse mito.
Aliás, cresci ouvindo histórias a esse respeito, contadas pelos
peões que trabalhavam na fazenda do meu avô. Para eles, a boitatá
não é superstição coisa nenhuma. Existe, de fato, e alguns contam
histórias de fulano, sicrano e beltrano, que teriam sido mortos por
ela e, de quebra, tiveram os olhos devorados pela cobra vingadora.
Esse
mito, todavia, embora persista ainda no Rio Grande do Sul, não é
exclusivo desse Estado. Indígenas de outras localidades também
acreditam (ou pelo menos acreditavam) na existência da boitatá.
Tanto que foram encontrados relatos da cobra de fogo em cartas do
padre José de Anchieta, datadas de 1560. Em São Paulo, porém,
jamais ouvi referências a esse respeito. No folclore paulista não
há nenhuma manifestação popular envolvendo esse mito.
O
mesmo já não acontece no Nordeste, onde a boitatá é conhecida
como “fogo que corre”. Demos voltas e mais voltas, apenas para
destacar o poder e a importância desse poderoso e abundante elemento
da natureza. Sem ele, o homem não se civilizaria e é bem possível
que, sequer, existiria. Mas será pelo fogo, quando o sol, um dia, se
expandir, que este planetazinho azul será reduzido a cinzas. Não se
preocupem, contudo. Isso, provavelmente, só irá ocorrer daqui a 4
bilhões de anos. Mas... essa já é outra história, que fica para
uma outra vez…
Boa
leitura!
O
Editor.
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Você é fogo, Pedro!
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