quarta-feira, 14 de junho de 2017

Às favas com o espírito coletivo!


* Por Mara Narciso
 
Em 1973/74 aconteceu a crise do petróleo numa retaliação da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo a Israel, causando recessão mundial. A ameaça à sociedade de consumo era uma incógnita sobre como a civilização iria ficar. Leis duras foram impostas. Assim como o ar-condicionado é econômico a 23º C, o carro em situação de cruzeiro gastaria menos combustível a 80 km por hora e essa norma virou lei. Eram comuns blitz com radar móvel e parada obrigatória para averiguação. Os postos da combustível fechavam às 18 horas e nos fins de semana. Difícil viajar de madrugada, assim como tolerar a restrição da liberdade. Os motoristas levavam combustível em galões dentro do carro, muitos deles se incendiaram e foram largados à beira do caminho. Foi quando surgiu o famoso sinal de farol. Quando havia fiscalização, os motoristas iam avisando aos demais através do flash de luz. Tais medidas eram decisões pessoais. Ninguém pensava em economizar para o bem-comum. Cada um queria apenas chegar. A crise global passou e o mundo civilizado persistiu, embora as guerras pelo petróleo continuassem, inclusive pelo “pré-sal”, mesmo com energias alternativas como solar, nuclear e álcool.
 
É normal ter combustível para usar a qualquer hora, assim como ter água límpida e abundante nas torneiras. Não tê-la é fatal. Deveria haver um limite obrigatório de consumo por pessoa/dia (no mínimo 100 litros, segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde. No Brasil a média é de 160 litros). A ordem é não gastar, porque não tem água para distribuição em Montes Claros. Culpar a COPASA – Companhia de Saneamento de Minas Gerais -, uma empresa de capital misto, que cuida da água de boa parte de Minas Gerais, de que faltou investimento ao longo dos mais de 40 anos de exploração econômica vantajosa (65 milhões de lucro por ano - 2010), não vai fazer chover e nem chegar água encanada. Poderá funcionar para um futuro remoto, caso haja futuro. Buscar água no espoliado Rio São Francisco? Como?
 
O reservatório de Juramento, que abastece 65% da água consumida na cidade, está com 29% (maio de 2017) da sua capacidade. Há quase sete anos não chove normal, e a cada dia a situação fica mais crítica em todo o norte de Minas. Há anos o Exército distribui água em carros-pipa em diversas cidades. Quem educou a população, preservou os mananciais, fez barragens, e planejou o consumo está em melhor situação. Na mesma época do ano passado, o reservatório Sistema Verde Grande, que recebe água do Rio Juramento e Saracura estava com 59% da sua capacidade, agora tem a metade. Nosso período chuvoso é de outubro a março. Desde outubro de 2015, estamos com restrição hídrica parcial, e em dezembro de 2016 começou o racionamento geral dia sim dia não numa cidade setorizada, com previsão de dia sim e dois não para breve.
 
Há quem não se comporte civilizadamente, e mantenha um consumo “normal”. No sábado, dia de faxina, observando os vizinhos, pode-se ver, ainda que estejamos quase no inverno, troca de água da piscina, lavação de carro com mangueira, ou gasto abusivo que a todos insulta, pois têm grandes reservas em casa, além de cisternas e poços artesianos. A água do lençol freático é de todos, e não de quem perfurou, e isso não deveria ser ignorado.

No começo da falta d’água, aconteceram brigas, filmagens e discussões, mas rarearam, à medida que os cidadãos se acostumaram com a ameaça. Gasto a ser considerado é o modismo de se beber quatro litros de água por dia e ir ao banheiro de hora em hora, aumentando o consumo da descarga. É urgente economizar água, colocar bico pão duro na torneira, abrir pouco e fechar rapidamente. Mudar o hábito para não mudar de cidade, pois sem água, 400 mil habitantes terão de migrar. O espírito coletivo precisa se sobrepor ao egoísmo, pois, se continuar como está, em breve não haverá água nem para o mosquito da dengue proliferar. Deverá sumir junto com a ignóbil raça humana.


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”




Um comentário:

  1. É aquela história: se a farinha é pouca, o meu pirão primeiro. Instinto perverso e egoísta da raça humana. Especialmente do humanoidis brasilis! Abraços, Mara.

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