quarta-feira, 14 de junho de 2017

Oceanos


* Por Urda Alice Klueger


Eu sou uma pessoa do Oceano Atlântico. Penso que já o vi de quase todos os jeitos, em quase todas as suas possibilidades, menos sob um furacão, e a minha vida sempre foi muito ligada a ele. Conheço o Oceano Atlântico desde as beiradas do Rio Grande do Sul até as incomparáveis praias de Cayo Largo, lá já longe, no Caribe. Já vi o Oceano Atlântico verde como esmeralda, ou profundamente azul, ou delicadamente azul como se fosse o céu, emendando-se ou se confundindo com ele, ou cinzento e violento, ou escuro e sujo como imagino a alma de um sujeito como Hitler, em dias de lestada no sul do Brasil, ou parecendo uma caixa de joias preciosas nas tardes de verão em que o vento nordeste o encrespa todo e o deixa assim com jeito de querido e amado, e também nas manhãs de terral, quando ele fica tão lisinho e encolhido que se tem a sensação de se poder patinar sobre sua superfície.

Para mim, a parte mais fantástica do Oceano Atlântico é o Caribe, onde se podem ver coisas como a Playa Blanca de Cartagena das Índias, na Colômbia, onde, numa praia só, o mar tem 17 cores, variando desde o mais extremo verde translúcido até o mais intenso roxo, passando por todas as outras variedades dos verdes mais maravilhosos, dos rosas e dos lilases, e onde a gente nada bem devagarinho, com muito cuidado, para se ter certeza de não fazer nenhum movimento mais violento e machucar algum dos milhões de peixinhos de todas as cores que nadam junto com a gente, sem nenhum medo daqueles seres estranhos chamados humanos que entram no seu ambiente sem pedir licença. Eu não acredito que possa existir no mundo outra praia mais bonita do que a Playa Blanca de Cartagena – talvez até possa ter outra tão bonita, mas mais que aquela, acho impossível.

Também falar sobre a transparência das águas do Caribe é redundância, e ninguém iria entender mesmo – as pessoas que não o conhecem iriam começar dizendo que na praia tal, no Estado tal, tem uma praia onde se consegue ver os seus pés, ou mergulhar e ter uma visibilidade de dez metros – tudo coisa pouca para quem conhece o Caribe. Não dá para explicar o Caribe: há que se ir lá e vê-lo para se poder entender.

Já andei, também, pelas margens do Índico, mas foi coisa de pouca demora e estava muito frio – mal e mal tirei sapatos e meias para dizer que entrei dentro dele por um instante, lá na acolhedora e doce cidade de Maputo/Moçambique, e o Índico era um mar bem azul naquele dia, muito bonito e suave, apesar do frio.

E então um dia também conheci uma das beiradas do Pacífico, lá na cidade de Lima, Peru. Também estava frio, e intensa cerração vinda da corrente de Humboldt quase que mo escondia, e havia que se descer uma boa rampa desde a cidade até a praia. Aquilo me desencorajou, e acabei não indo tomar a bênção do Pacífico.

Algum tempo depois, no entanto, voltei ao Pacífico, desta vez no ponto onde ele, todo mágico e cheio de rochedos, se encontra com o Deserto do Atacama, no Norte do Chile. Ai, foi lindo! Por um dia inteiro viajei pela sua beirada, deserto de um lado e mar profundamente azul do outro, e pequenas colônias de pescadoras parecendo pinçadas de calendários canadenses instaladas em cenários desérticos na beira das praias de rochas negras! E de tarde cheguei a Iquique, balneário chileno que é também um oásis, e havia tanta coisa para ver em Iquique, desde uma greve de funcionários públicos até um fantástico museu de Arqueologia num centro histórico parecido fugido do século XIX – e nessa cidade tão colorida e mágica  fiquei hospedada num hotel luxuoso, onde tinha uma enorme janela que me permitia ver, à minha frente, toda a grandiosidade do Oceano Pacífico vestido do mais profundo azul! Então fiquei namorando o Pacífico, e passei uma mensagem eletrônica para meu sobrinho Mteka, dizendo: “Entra na página do hotel tal e encontre o de Iquique. Lá, no quarto andar, olhando para o mar, a tua tia está te abanando!”

Então, começou a vir a noite, e o sol, ali, se punha, bem por detrás do grande oceano. Desci para a praia quase deserta, onde um casal de namorados chilenos trocava arrulhos, e até conversei um momento com eles. Depois eles se foram, e fiquei por ali, catando conchas um pouco quebradas, não tão bonitas quanto as que eu tenho do Atlântico, espiando se aparecia mais alguém, porque eu queria fazer uma coisa bem grandiosa e não queria ninguém por perto. Daí, quando a claridade do dia quase que se ia de vez, bem naquele balneário roubado do colorido Deserto do Atacama, sozinha diante do grandioso Oceano Pacífico, eu gritei – do fundo das minhas forças e do meu coração, eu gritei para o Oceano o quanto amava você! Meu grito ecoou lá pelas distâncias desertas, e talvez tenha chegado até Honolulu. Pelo menos, eu tinha a consciência que o lugar mais próximo, dali para a frente, seria Honolulu. Talvez em Honolulu também tenham ficado sabendo o quanto eu amo você! E não gritei secretamente: gritei seu nome todinho, e então tal segredo deixou de ser segredo, pois se até o imenso Oceano Pacífico ficou sabendo!

Num dos banheiros da minha casa, hoje, tenho um aquário de vidro onde conservo as conchas que tinha colhido naquele momento. Elas não são muito bonitas, e eu botei um peixinho de plástico e algumas pérolas entre elas. Então, a cada vez que entro naquele banheiro, eu tenho certeza de que não sonhei – e também me certifico que o meu amor é tão grande que até o Oceano Pacífico ficou sabendo!


Blumenau, 24 de Junho de 2005 .


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR, autora de vinte e seis livros (o 26º lançado em 5 de maio de 2016), entre os quais os romances “Verde Vale” (dez edições) e “No tempo das tangerinas” (12 edições).



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