Obrigação, não direito
A
questão do talento sempre despertou controvérsias e discussões
que, ademais, nunca levaram a lugar algum. Quem tem, quem não tem,
por que tem, por que não tem são os aspectos mais debatidos,
notadamente por pais e educadores, preocupados em descobrir e
desenvolver vocações.
Há
pessoas bem-dotadas que manifestam determinadas aptidões de forma
bastante precoce. Mozart, por exemplo, aos quatro anos já dominava
os princípios da música e dava de dez a zero em muitos marmanjos,
que se julgavam geniais.
Outras,
porém, descobrem o que sabem fazer de melhor apenas em idade
bastante avançada. Não raro, todavia, recuperam o tempo perdido e
deixam obras marcantes, que causam pasmo e admiração gerais. E há,
também, os que não detectam seus talentos nunca. Por conseqüência,
não fazem nada bem-feito e são nada mais do que pesos mortos para a
família e a sociedade. Por que? Essa é a principal questão a ser
analisada.
O
que vem a ser o talento? Entendo que seja uma aptidão natural para
determinadas atividades, concretas ou abstratas, artísticas ou
profissionais, manuais ou intelectuais. Potencialmente (a menos que
se tenha determinada deficiência física ou mental), todos somos
capazes de fazer alguma coisa bem. Aliás, não somente uma, mas
muitas. Todavia, há sempre uma que, se descobrirmos qual é, e a
desenvolvermos, será a que faremos melhor.
Posso
contar com um ouvido privilegiado e ter noção de ritmo e harmonia,
mas não saber fazer (ou interpretar) música. Isso não será
nenhuma tragédia. Já pensaram se todos no mundo fossem apenas
músicos? Estaríamos em maus lençóis. É certo que o mundo seria
repleto de sons agradáveis e harmoniosos. Mas quem faria as outras
atividades essenciais?
Se
não tenho aptidão para a música, tudo bem, provavelmente me sairei
melhor com pincéis e tintas ou com o buril de escultor. Ou terei
talento para me comunicar por escrito com as pessoas, de contar
histórias, de inventar cenários e personagens e me transformarei
(não necessariamente) num escritor. Se bom ou ruim, é outra coisa.
Vai depender de outros tantos fatores, que não exclusivamente do
talento, como boa memória, aplicação, leitura, conhecimentos
etc.etc.etc.
Minha
aptidão pode nem ser para as artes, mesmo apreciando a pintura, a
música, a escultura, a poesia, o romance, o conto, a crônica e vai
por aí adiante. Também não é nenhuma tragédia. Quem sabe minha
vocação seja para a ciência, para pesquisar os mistérios da
natureza e descobrir suas inflexíveis leis. “Ah, isso não é
possível, pois tenho dificuldades em aprender matemática. E sem
ela, nunca serei um cientista!” Tudo bem! Não é caso para se
desesperar.
Posso
ter físico privilegiado. Talvez corra mais rápido do que todo o
mundo. Já sei! Nesse caso minha aptidão será para o esporte, para
o atletismo ou, quem sabe, o futebol. Se tiver altura acima da média,
posso fazer sucesso no vôlei ou no basquete. Se contar com músculos
desenvolvidos, o halterofilismo será um bom caminho. Mas... e se,
além de não ter vocação para as artes e para a ciência, eu não
tiver físico privilegiado? O que poderei fazer de útil e produtivo
na vida? Muita coisa!
Conheci,
há alguns anos, um sujeito de inteligência curtíssima. Um
chimpanzé, bem treinado, era um Einstein diante dele. Não cantava,
não compunha, não pintava, não esculpia e mal sabia desenhar seu
nome. Era frágil, como um cristal e uma simples gripe se tornava,
para ele, uma tragédia grega. À primeira vista, a tal pessoa não
tinha talento para coisíssima alguma. Não tinha? Engano!
O
nosso vulnerável camarada tinha uma habilidade impressionante com as
mãos. Trabalhava, por exemplo, com o vime como jamais vi artesão
algum trabalhar. Fazia cestos de todos os tipos e tamanhos e outros
tantos objetos decorativos usando esse material com incomparável
perfeição. Ademais, sabia bordar, fazer crochê e produzia peças
de artesanato preciosas e bastante cotadas, que lhe garantiam o
sustento.
Ouço,
amiúde, pessoas dizerem que todos têm “direito” a algum
talento. Que a natureza está, portanto, em débito com os que não
possuem nenhum. Discordo dessas afirmações e por dois motivos.
O
primeiro, é que não existe ninguém que não tenha nenhuma aptidão.
Há, sim, muitos que não a descobriram (ainda) e, por isso, não a
desenvolveram. Podem, claro, não o descobrir nunca. Mas... O segundo
motivo deixo para o dramaturgo norueguês, Henrik Ibsen, declinar.
Esse hábil homem de teatro pôs na boca de um dos seus personagens
esta enfática declaração, com a qual concordo plenamente: “O
talento não é um direito, é uma obrigação”. Bingo!
Afinal,
ninguém veio ao mundo meramente a passeio. Nele, não há lugar para
omissos e acomodados, que apenas consumam seus parcos recursos e
poluam seu solo, águas e ar.. Na espaçonave Terra, não há
passageiros. Todos somos tripulantes.
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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