domingo, 13 de dezembro de 2015

Armadilha das cidades



* Por Pedro J. Bondaczuk


As primeiras cidades surgiram, conforme alguns historiadores, há cerca de 9 mil anos e foram erguidas para proteger as pessoas de saques de bandoleiros nômades, de tribos bárbaras que recorriam à força para garantir seu sustento e sobrevivência. Devem ter sido lugares agradáveis, onde todos se conheciam e em geral eram ligados por algum laço de parentesco. Sua população era pequena e havia um verdadeiro espírito comunitário.

Hoje... Bem, na atualidade, não passam de enormes depósitos de pessoas, amontoadas umas sobre as outras em enormes caixotes de concreto, vidro e aço. Barulhentas, poluídas e agitadas, são o protótipo de como não se viver. Transformaram-se numa selva, sem os atrativos desta.

O fator segurança, que determinou sua própria concepção, hoje virtualmente inexiste. A solidariedade, que ligava os moradores das cidades antigas na defesa do patrimônio individual e coletivo, foi substituída pelo antagonismo, pela desconfiança, pela indiferença e pela ostensiva hostilidade. Não se trata mais de comunidade, pois pouquíssima coisa, quase nada, é atualmente comum.

Os aglomerados urbanos transformaram-se em lugares perigosos e insalubres para se viver. E crescem, incham, expandem-se diariamente, concentrando cada vez mais pessoas infelizes, solitárias e amargas. Ou frustradas, neuróticas e desequilibradas.

Dois terços dos 7,3 bilhões de habitantes do Planeta concentram-se, hoje em dia, em apenas uma centena de megalópolis, disformes torres de Babel dos tempos modernos que nem mesmo a confusão de línguas consegue dispersar.

Eça de Queiroz, em seu livro "A Cidade e as Serras", observou: "Na natureza nunca eu descobriria um contorno feio ou repetitivo! Nunca duas folhas de hera, que, na verdura ou recorte se assemelhassem! Na cidade pelo contrário, cada casa repete servilmente a outra casa, todas as faces reproduzem a mesma indiferença ou a mesma inquietação, as idéias têm todas o mesmo valor, o mesmo cunho, a mesma forma, como as libras; e até o que há de mais pessoal e íntimo, a ilusão, é em todos idêntica,  e todos a respiram, e todos se perdem nela como no mesmo nevoeiro...A mesmice: eis o horror da cidade!"

E isso no século XIX, quando nenhuma das metrópoles de então, Londres, Paris, Nova York ou Xangai, chegava aos seis milhões de habitantes. O que diria hoje o romancista português se vivesse numa Cidade do México, que conta com uma das maiores favelas do mundo (com população superior à da maioria das capitais européias e americanas), que caminha para os 25 milhões de habitantes em sua região metropolitana? Ou em São Paulo, Tóquio ou Bombaim?

E estou me referindo apenas aos relacionamentos interpessoais, sem me ater a inúmeras outras desvantagens, como a poluição atmosférica ou sonora, o problema do que fazer com as toneladas e toneladas de lixo acumuladas diariamente, ou a necessidade de prover de água e alimentos milhões de indivíduos etc.

Eça de Queiroz, no citado livro, identifica o que chama de  "sulcos" como o maior dos inconvenientes das cidades. E explica: "É um perfume muito agudo e petulante que uma mulher larga ao passar, e se instala no olfato, e estraga para todo o dia o ar respirável. É um dito que se surpreende num grupo, que revela um mundo de velhacaria, ou de pedantismo, ou de estupidez, e que nos fica colado à alma, como um salpico, lembrando a imensidade da lama a atravessar. Ou então, meu filho, é uma figura intolerável pela pretensão, ou pelo mau gosto, ou pela impertinência, ou pela relice, ou pela dureza, é que não se pode sacudir mais a visão repulsiva...Um pavor estes sulcos".

É preciso uma nova confusão de línguas, como a registrada no relato bíblico, para que os construtores dessas babéis contemporâneas, dessas selvas de concreto e asfalto, cada vez mais loucas, violentas, enfumaçadas e barulhentas, se dispersem pelo mundo.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. Alguns dissidentes somem para o interior depois de viverem décadas nas metrópoles.

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