Segundo precioso
* Por Pedro J. Bondaczuk
A maioria das pessoas, entre os mais de
sete bilhões de indivíduos que povoam a Terra neste início de milênio, ainda
não se conscientizou da escassez do seu tempo de existência (impossível de se
saber de quantos anos, meses, dias, horas, minutos ou segundos será). Estamos
todos em uma trágica corda-bamba balançando sobre o abismo do não-ser, sem nos
darmos conta dessa primária realidade.
Mesmo os raríssimos "heróis"
da sobrevivência, que logram festejar um centenário ou quase, não podem afirmar
que viveram muito. Em termos relativos, este é um tempo extremamente escasso,
ínfimo e irrisório. O organismo humano foi programado para funcionar bem por
pelo menos 120 anos, o que também não é grande coisa. Por que não funciona? Por
uma série de razões, mais subjetivas do que objetivas, que, no entanto, não
explicam coisa alguma. Mais confundem, do que esclarecem.
A morte não tem e nunca teve lógica.
Jamais terá! É uma loteria macabra, que escolhe qualquer pessoa, em qualquer
hora ou lugar, de forma sempre aleatória. O homem, com toda a sua empáfia e
arrogância, é impotente para se defender dela. Há bebês que vivem algumas
poucas horas (ou nem isso), enquanto doentes terminais sobrevivem às doenças
que lhes corroem as entranhas e lhes minam a resistência orgânica por dez,
quinze, vinte anos ou mais, contrariando toda e qualquer lógica.
E não se morre apenas em decorrência da
ação de vírus ou bactérias ou de deficiências congênitas, genéticas, ou então
de disfunções provocadas por hábitos inadequados, quando não suicidas.
Acidentes de toda a sorte ceifam milhares de vidas, diariamente, em várias
partes do mundo. A violência, por seu turno, cobra pesadíssimo tributo dos
instintos mais baixos, e da ausência de amor, do ser humano. Além de guerras e revoluções,
homicídios hediondos, praticados pelos motivos mais torpes e banais,
interrompem, abruptamente, a vida de indivíduos no pleno gozo de saúde
perfeita, sem que esses possam prever e evitar. Trata-se, de fato, de uma
"loteria" macabra, da qual ninguém quer ser "sorteado". Mas
alguém sempre é.
Todos somos, constantemente, ameaçados
por estas terríveis contingências, contra as quais somos absolutamente
impotentes. Ninguém está seguro. A segurança absoluta é ficção. Estamos
sujeitos, por exemplo, a sofrer, a qualquer momento e lugar, assalto armado, na
rua, no trabalho, ou em nossa própria casa, e a ser atingidos por disparos de
armas de fogo, ou por esfaqueamento, ou agredidos por objetos contundentes etc.
A morte nos espreita, a cada segundo, e em todo o lugar, sem que nos demos
conta disso. Julgamo-nos invulneráveis e imortais.
Mais importante do que a quantidade de
anos vividos, todavia, é a qualidade da vida que se leva. E esta, teoricamente,
está em nossas mãos determinar. Importa (e muito) o que se pensa, como se age e
a forma com que reagimos diante das adversidades. É certo que sozinhos não
podemos modificar o mundo, mas temos plenas condições de contribuir para isso.
O "apóstolo da não-violência" (que, no entanto, foi ceifado por ela),
o Mahatma Gandhi, observou, num discurso famoso: "Se um único homem
atingir a mais elevada qualidade de amor, isto será suficiente para neutralizar
o ódio de milhões".
Quem
vive somente para si, sem ligar a mínima para o próximo, pode até parecer que
leva vantagens sobre os demais, pelo ilusório poder que eventualmente detém e
pela quantidade de satisfações sensoriais que goza. Mas depois que morre... A
maioria dos que agem dessa forma não deixa o mínimo vestígio de que sequer
existiu, pouco depois da extinção física, tão logo seja partilhado seu espólio.
Sua morte será um alívio geral. Tal pessoa, com toda sua arrogância e
prepotência, não passou de uma vida inútil e parasitária. Machado de Assis, no
romance "Dom Casmurro", observou: "Matamos o tempo, o tempo nos enterra".
A afirmação é muito mais do que mero jogo de palavras. Basta refletir sobre seu
significado.
Cada segundo da nossa existência é
preciosíssimo, posto que único (pode ser o último) e devemos ser avaros com
ele, não o desperdiçando com tolices, lamúrias, banalidades e ninharias. E nem
é tão difícil sobreviver na memória dos
pósteros, bastando, para isso, ser "conhecido" e ter "fama"
de haver produzido alguma coisa (obra, idéia, opinião, etc.) em favor da
comunidade, mesmo que isso não haja ocorrido de fato, ou não tenha a
importância que lhe seja atribuída. Pois, como assinalou Jorge Luís Borges, no
poema "Aonde Terão Ido?" (livro "Obras Completas", vol. V,
Editora Globo):
"Não se aflija. Na memória
dos tempos que vêm
cada qual de nós será/duro e audaz como
ninguém.
Os vis serão generosos
e os fracos, bravos e altivos,
não há nada como a morte
para melhorar os vivos".
Seria isso um consolo? Prefiro a
insegura e inconstante "gangorra" da vida, com seus perigos e
incertezas. Se fosse possível, eternamente...
* Jornalista, radialista e escritor.
Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981
e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras
funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e
“Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos &
Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário),
página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia
Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
A morte, assim como a vida, são inexplicáveis. Aplausos para a reflexão como um todo e pelos autores citados.
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