Rótulo sem sentido para agosto
O mês de agosto é, na concepção do povão (e de muito sujeito
metido a intelectual) um período considerado “maldito”. Claro, não é atitude, digamos,
racional. Não há nenhum período específico para a ocorrência de desgraças,
tanto as provocadas pelo homem (a imensa maioria) quanto as ditadas pela
natureza, os grandes desastres naturais, como terremotos devastadores, tsunamis
apocalípticos, erupções vulcânicas aterrorizantes, tornados, furacões etc.etc.etc.
Não é assim, todavia, que parte considerável das pessoas pensa.
Desde quando eu era muito criança (e isso há já um tempão),
ouço dizerem por aí, de forma convicta, como se fosse certeza comprovada cientificamente,
que “agosto é mês de cachorro louco”. Você, querido leitor, certamente também
já ouviu isso e não apenas uma vez. Todavia, não há a menor prova, o mais
remoto indício de que nesse período específico de 31 dias a hidrofobia seja uma
constante, e em quantidade muito maior do que em qualquer outra época do ano, e
que, de quebra, afete este animal tão querido, tido e havido como o melhor
amigo do homem. E por que cachorros e não outros animais, domésticos (como o
gato, por exemplo)? Não faz sentido! Mas é o que muita gente afirma, com ares
sapienciais, com convicção, como se fosse algo líquido e certo, absolutamente
incontestável, que só “imbecis” (como eu) não acreditem e contestem.
Se eu tivesse que caracterizar agosto de alguma forma (o
que, óbvio, não tenho), jamais o caracterizaria como “mês do cachorro louco”.
Por que estigmatizar esse animalzinho tão simpático e amigo, que se destaca,
sobretudo, pela fidelidade? É, no mínimo, uma sacanagem com um bichinho tão
companheiro. Caracterizaria agosto como “mês da loucura humana”. Claro que
seria incorreto. Afinal, a insânia deste suposto “Homo Sapiens” não se
restringe a um período específico anual, de meros 31 dias. É onipresente!
Manifesta-se em todos os 365 dias de um ano, em todos os anos de séculos, de milênios,
de eras, desde que este animal supostamente racional surgiu sobre a Terra. Ou
exagero? Claro que estou generalizando. Sempre houve, há e suponho que continue
havendo exceções. Mas... a loucura humana é onipresente, “também” em todos os
agostos (mas não somente neles), sem excluir nenhum. A caracterização, embora
imprópria, estaria, no entanto, bem mais próxima da realidade do que limitar ou
definir a loucura dos cachorros (neste caso, a hidrofobia) a este específico
mês.
Poderia citar dois episódios ocorridos em agostos diferentes
que até justificariam batizar esse período como o da “loucura humana”. Um deles
é a tal “Noite de São Bartolomeu”. Refiro-me ao dantesco massacre de centenas
de milhares de pessoas, ao absurdo banho de sangue ocorrido num 23 de agosto,
estendendo-se pelo dia 24, de 1572, em Paris, na luta entre católicos e
protestantes. Alexandre Dumas escreveu sobre essa carnificina em seu livro “A
rainha Margot”. E pensar que ambas as facções que se engalfinharam tão
ferozmente se diziam “cristãs”!!! E pensar que Cristo pregava, justamente, o
oposto do que tais pessoas sentiam (que era ódio avassalador), ou seja, o amor!
Que recomendava, até mesmo, que quando alguém nos esbofeteasse, em vez de
reagirmos na mesma medida á agressão, voltássemos a outra face ao agressor. Que
nos ensinou a orar pedindo perdão por nossas ofensas “como nós perdoamos a quem
nos tem ofendido”. O ser humano (alguns, infelizmente muitos) é ou não é
sinistro animal insano?!
Outro episódio, com número menor de mortos, mas com conseqüências
de longo prazo infinitamente piores, foi o lançamento de bombas atômicas contra
indefesas populações civis, arrasando, em minutos, duas cidades relativamente
populosas. Refiro-me, claro, aos ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki. Foi
a insanidade elevada à enésima potência!!! Tão malucos quanto os que decidiram
esses ataques, e os que o fizeram, foram (e são) os que tentaram e ainda tentam
justificar essa barbaridade, alegando que eles levaram ao fim da Segunda Guerra
Mundial, poupando, dessa forma, milhares, quiçá milhões de vidas. Cada qual
julgue, por si só, quem está com a razão0: se quem condena o holocausto nuclear
ou se os que tentam justificá-lo.
Há pelo menos meio século, quando tomei gosto pela escrita,
assumi, perante mim mesmo, o compromisso de, em todos os meses de agosto, enquanto
vivesse, trazer as tragédias de Hiroshima e Nagasaki à baila, mesmo que em
apenas um reles parágrafo de algumas linhas. Desde então, não falhei um único
ano. Claro, reitero, que a loucura humana não se manifesta exclusivamente em
meses de agosto. Creio que episódios, como os que citei, de intolerância e de
violência, sejam até estatisticamente minoritários nesse mês. São constantes, freqüentes,
cotidianos, desde que nossa espécie surgiu sobre a Terra. Não pensem que faço
essa constatação com prazer. Não faço! Escrevo isso com os dentes rilhando, de
vergonha e desespero, sonhando com um utópico período em que a humanidade,
finalmente, se “humanize”. Não creio, contudo, que viverei para ver esse “milagre”.
Mas... nunca se sabe...
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o /editor pelo twitter: @bondaczuk
O ódio tomou conta do mundo e os que o sentem se vangloriam de senti-lo.
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ResponderExcluirJá dizia Nelson Mandela: "Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar".
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