As mil e uma noites
Lenda oriental compilada, em árabe, no
Cairo
Conta a lenda que na antiga Pérsia o Rei Shariar descobre
que foi traído pela esposa, que tinha um servo por amante, o Rei despeitado e
enfurecido matou os dois. Depois, toma uma terrível decisão: todas as noites,
casar-se-ía com uma nova mulher e, na manhã seguinte, ordenaria a sua execução,
para nunca mais ser traído. Assim procede ao longo de três anos, causando medo
e lamentações em todo o Reino.
Um dia, a filha mais velha do primeiro-ministro, a bela e
astuta Sherazade, diz ao pai que tem um plano para acabar com a barbaridade do
Rei. Todavia, para aplicá-lo, necessita casar-se com ele. Horrorizado, o pai
tenta convencer a filha a desistir da ideia, mas Sherazade estava decidida a
acabar de vez com a maldição que aterrorizava a cidade.
E assim acontece, Sherazade casa-se com o Rei.
Terminada a breve cerimônia nupcial, o rei conduziu a esposa
a seus aposentos, mas, antes de trancar a porta, ouviu uma ruidosa choradeira.
“Oh, Majestade, deve ser minha irmãzinha, Duniazade”, explicou a noiva. “Ela
está chorando porque quer que eu lhe conte uma história, como faço todas as
noites. Já que amanhã estarei morta, peço-lhe, por favor, que a deixe entrar
para que eu a entretenha pela última vez!”
Sem esperar resposta, a jovem abriu a porta, levou a irmã
para dentro, instalou-a no tapete e começou: “Era uma vez um mágico muito
malvado...”. Furioso, Shariar se esforçou ao máximo para impedir a narrativa;
resmungou, bufou, tossiu, porém as duas irmãs o ignoraram. Vendo que de nada
adiantava sua estratégia, ele ficou quieto e se pôs a ouvir o relato de
Sherazade, meio distraído no início, profundamente interessado após alguns
instantes. A pequena Duniazade adormeceu, embalada pela voz suave da rainha. O
soberano permaneceu atento, visualizando mentalmente as cenas de aventura e
romance descritas pela esposa. De repente, no momento mais empolgante,
Sherazade silenciou. “Continue!”, Shariar ordenou. “Mas o dia está amanhecendo,
Majestade! Já ouço o carrasco afiar a espada!” “Ele que espere”, declarou o
rei. Shariar se deitou e logo dormiu profundamente. Despertou ao anoitecer e
ordenou à esposa que concluísse o relato, mas não se deu por satisfeito.
“Conte-me outra!”
Sherazade com sua voz melodiosa começou a contar histórias
de aventuras de reis, de viagens fantásticas de heróis e de mistérios. Contava
uma história após a outra, deixando o Sultão maravilhado.
Sem que Shariar percebesse, as horas passaram e o sol
nasceu. Sherazade interrompeu uma história na melhor parte e disse:
- Já é de manhã, meu senhor!
O rei interessado na história, deixou Sherazade no palácio
para mais uma noite.
E assim Sherazade fez o mesmo naquela noite, contou-lhe mais
histórias e deixou a última por terminar. Sempre alegre, ora contava um drama,
ora contava uma aventura, às vezes um enigma, em outras uma história real.
Dessa forma se passaram dias, semanas, meses, anos. E coisas
estranhas aconteceram. Sherazade engordou e de repente recuperou seu corpo
esguio. Por duas vezes ela desapareceu durante várias noites e retornou sem dar
explicação, e o rei tampouco lhe perguntou nada.
Certa manhã ela terminou uma história ao surgir do sol e
falou: “Agora não tenho mais nada para lhe contar. Você percebeu que estamos
casados há exatamente mil e uma noites?” Um ruído lhe chamou a atenção e, após
uma breve pausa, ela prosseguiu; “Estão batendo na porta! Deve ser o carrasco.
Finalmente você pode me mandar para a morte!”.
Quem entrou nos aposentos reais foi, porém, Duniazade, que
ao longo daqueles anos se transformara numa linda jovem. Trazia dois gêmeos nos
braços, e um bebê a acompanhava, engatinhando. “Meu amado esposo, antes de
ordenar minha execução, você precisa conhecer meus filhos”, disse Sherazade.
“Aliás, nossos filhos. Pois desde que nos casamos eu lhe dei três varões, mas
você estava tão encantado com as minhas histórias que nem percebeu nada...” Só
então Shariar constatou que sua amargura desaparecera. Olhando para as
crianças, sentiu o amor lhe inundar o coração como um raio de luz. Contemplando
a esposa, descobriu que jamais poderia matá-la, pois não conseguiria viver sem
ela.
Assim, escreveu a seu irmão e lhe propondo que se casasse
com Duniazade. O casamento se realizou numa dupla cerimônia, pois Shariar
esposou Sherazade pela segunda vez, e os dois reis reinaram felizes até o fim
de seus dias.
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