Utópico, pero non mucho
Por Marcos Alves
Como disse antes, o Brasil nos
encanta em tudo que mostra sua originalidade e beleza. Falava então do amigo e
baterista Laércio Villar, pouco lembrado e ainda na ativa. Mas o fato também é
que nessa terra as coisas às vezes se encaixam e dão o que pensar. Deve ser
porque o país é grande, e as probabilidades se multiplicam. Não é no mínimo
peculiar que um surfista paranaense com um nome explosivo esteja à beira de ser
(até que esse texto seja lido ele já pode ter conquistado o título) campeão brasileiro de Surf profissional em
2006? Jihad Kohdr, brasileiro descendente de libaneses, no ano que vem pretende
ser nosso representante na Copa do Mundo das ondas, o WCT - World Championship
Tour.
Com um nome desses dá para
imaginar o que ele passa nas alfândegas do mundo, especialmente nos EUA. Em
reportagem do jornal ”O Globo”, Jihad – ou guerra santa, como queiram, contou
que em 2002 ficou mais de cinco horas no aeroporto de Washington para um
interrogatório. Com o atentado de 2001 nas torres gêmeas ainda recente quase
lhe quebraram as pranchas para ver se encontravam alguma bomba. “O problema é
que libanês tem em tudo que é canto. Sou brasileiro, apesar do nome e do
nariz”, brincou Jihad. Ele não adere ao Ramadã, por exemplo, porque é
humanamente impossível jejuar até o pôr-do-sol sendo atleta profissional.
Jihad, o mais radical – ao menos na água –, da família Kohdr, é brasileiro.
E por falar em fatos que colocam
em xeque a relação e a importância do Brasil com o resto do mundo, o que dizer
do Legacy que se chocou com o Boeing? Diante do comportamento da tripulação –
especialmente do jornalista falastrão – a pergunta que não quer calar é: que
seria de pilotos brasileiros envolvidos no mesmo tipo de desastre em espaço aéreo
americano? Nem vou cogitar a hipótese de um jornalista brazuca falar pelos
cotovelos, aí também seria demais. Mas se voar aqui é perigoso (como disse Joe
Sharkey) lá é impossível pegar um elevador sem ficar grilado.
Enquanto isso, no Brasil, dois
candidatos disputam a eleição à beira de um ataque de nervos. Cada qual em seu
córner, amparado pelos asseclas e assemelhados, tramando a próxima jogada. O
público assiste ao embate e boa parte não decidiu ainda em quem votar.
Indecisos, um número incerto de pessoas que os institutos de pesquisa se
esforçam por identificar, mas não conseguem. Acho que é porque todo mundo mente
um pouco na hora de responder. Coisa de brasileiro também. Mas os candidatos
querem muito chegar à vitória. Cada qual com seus motivos, projetos e a gente
só vai saber quais são depois do segundo turno. É mais difícil para o eleitor
que está insatisfeito com as duas opções.
Há outro Brasil, e esse muda o
tempo todo. Vez por outra nos surpreende com uma feliz combinação de cores,
sons, sonhos e histórias. Não há nada que pare isso, graças a Deus. Merecia
mais atenção dos governos e das empresas, na maioria dos casos os grandes
beneficiários do sucesso de brasileiros talentosos. O estado porque
historicamente sempre se aproveitou da comoção popular causada por artistas e
atletas; e as empresas porque sempre lucraram com isso. Deveria haver esse
apoio na base, e também no campo da ciência, da literatura e outras áreas onde
houvesse pelo que investir.
Como gestor, o estado deveria
dividir com a sociedade a responsabilidade de estabelecer os padrões e como
concessionárias, as empresas deveriam ser obrigadas a acatá-los, ponto.
O Brasil seria bem melhor se
tivesse uma política cultural consolidada e ampla, que abrangesse da arte à
educação, do esporte à formação de mão-de-obra para fazer mover essa
engrenagem. O estado deveria tomar a iniciativa de promover diferentes tipos de
parcerias com o setor privado, e entregar o trabalho nas mãos de profissionais.
Luciano do Valle lembrou, durante
uma transmissão de vôlei de praia, a quantidade de talentos que não param de
surgir todos os anos, por toda parte do Brasil. E a importância de identificar
e estimular esses talentos em todas as etapas, para que cheguem à maturidade
com o estofo necessário. Só assim poderão ir bem nas competições
internacionais. Emendou dizendo que seria importante o horário nobre da TV
participar dessa empreitada. Fecho com ele.
Mistura de raças, sabores,
costumes e humores, o Brasil se mostra com a força da sua originalidade. Gilberto
Freire e Darci Ribeiro disseram que no futuro a Amazônia seria um poderoso
jardim. Tomara os futuros brasileiros possam usufruir dos inúmeros instrumentos
e benefícios da floresta. Um novo ciclo – não da borracha, mas de novos
medicamentos, cosméticos e do turismo. Aprenderemos com a mata e dela tiraremos
nosso sustento. Como sempre foi, desde o início dos tempos. Não custa sonhar,
ainda não pagamos imposto por isso.
* Marcos Alves é jornalista.
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