quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Mamãe olha meus músculos!

* Por Fernando Yanmar Narciso

Certo personagem na injustamente ignorada comédiaO Fantástico Mundo de Dr. Kellogg disse “A saúde é o caminho mais curto para o bolso dos tolos”. O mundo evoluiu bastante nos últimos séculos quanto a esse conceito. Há uns 60 anos, os comerciais da Coca-Cola comum diziam que ela ajudava a emagrecer. Melhor ainda, nas décadas de 70 e 80, Schwarzenegger e Lou Ferrigno, o Incrível Hulk, eram símbolos da geração saúde, com seus bíceps anabolizados com tamanho e textura de balas de canhão! Hoje ninguém mais acredita que seja possível alcançar o físico de Hércules confiando apenas na alimentação saudável, nas vitaminas e na perseverança com os halteres. Quem quiser se tornar uma versão humana da raça de touros Belgian Blue, tem de sujar as mãos e a alma.

Quando os pôsteres de Arnold Schwarzenegger foram retirados das paredes da famosa academia Gold’s Gym, o anúncio de uma nova era de austeridade no mundo do esporte tentava se estabelecer. O paradoxo é que, por mais que ciência e medicina digam que atividades físicas fazem bem à saúde, 9 entre cada 10 pessoas que freqüentam academias estão pouco se lixando pra isso. Homens só pensam em ficar cada vez mais inchados e mulheres só pensam no corpão que vão exibir na praia nas férias. Exagero meu? Que nada. Se assim fosse, não haveria tanta gente que, em tese, não precisa fazer musculação nas academias. Gordinhos marombeiros, escravizados pelo personal trainer, são personagens quase tão folclóricos como a Mula Sem Cabeça e Jesus Cristo. Em todos os meus anos de supino, só conheci uma única cheinha assídua da musculação, e creio que ela morria de vergonha de estar no meio daquelas montanhas de músculos desfilando pelos aparelhos, pois nunca mais nos vimos.

Como qualquer moleque de 16 anos, na primeira vez que coloquei os pés numa academia, me imaginava com o físico do Rambo em pouco mais de um ano. Três anos mais tarde, já não tinha mais esperanças nem de ficar parecido com Jackie Chan. Ingênuo que só vendo, pensava que se eu mergulhasse de cabeça nos pesos e jogasse limpo, como o farsante astro da luta livre Hulk Hogan costumava pregar na década de 80, poderia alcançar qualquer objetivo. Não que meu corpo não tenha melhorado com o tempo, mas a expectativa raramente condiz com a realidade, como nas fotos do McDonald’s ou nas lésbicas de filme pornô. Nesses quase quinze anos de suor e peleja, aprendi a me conformar com o que conquistei, e agora malho só para manter a forma e ter uma desculpa para sair de dentro do quarto por uma hora e meia todo dia. Até compreendo o pavor dos gordinhos pela musculação. Academias são lugares um tanto perturbadores quando vistos de fora e mesmo eu, depois de tanto tempo, às vezes me sento com um halter na mão e fico pensando “Que raios eu vim fazer aqui?”. Basicamente elas são uma mistura das masmorras da Inquisição com o agogê da Esparta antiga e boate unissex de Strip-tease.

Após anos de fidelidade canina, resolvi me matricular na academia de meu bairro. Lar dos dissidentes de meu antigo point e, acima de tudo, dos adolescentes riquinhos da área, duvido que me apontem qualquer um ali- tirando eu- que não esteja lá apenas por vaidade. É sempre gratificante ver as meninas malhando de lycra ultrajusta, delineando cada curva deliciosa de seus corpos, mas por que tantos caras fazem questão de ir à academia usando camisa mais agarrada que o uniforme do Homem-aranha ou de regata, exibindo seus orgulhos super desenvolvidos?

Desde pequeno, nunca compreendi a natureza da competição, a necessidade de colocar as pessoas no chão através da superioridade técnica em determinada área, primeiro porque minha coordenação motora vive me traindo mesmo hoje, que comecei a treinar rugby, segundo porque não tenho trabalho formal e nem uma vice-presidência pela qual aspirar. Mas tem gente por aí que compete em praticamente qualquer coisa. Por exemplo, já ouvi sobre moradoras de república que simplesmente disputavam quem conseguia chegar ao orgasmo mais rápido. Dia desses esqueci meu MP3 em casa, meu eterno companheiro em minha cruzada solitária entre os pesos, então pude perceber como os freqüentadores da academia agem. Grupos de cinco ou seis boyzinhos se reuniam em volta de algum aparelho e um ficava tentando “matar” o outro na quantidade de peso que conseguia erguer. Sem dor, sem ganho, não é como dizem?

No entanto, a coisa mais engraçada que eu noto é que, em vez de malhar os bíceps para ficar contando vantagem pras menininhas, algo óbvio de se imaginar, os carinhas ficam é se exibindo uns pros outros, fazendo caras e bocas diante do espelho e mostrando seus tanquinhos, contando suas dietas mirabolantes para conseguir músculos na parte mais inútil do corpo. Alguns recém-ingressados na adolescência são até capazes de dizer de cor os efeitos colaterais de cada suplemento que tomam! Estranho que as mulheres gostam de exibir o vestuário umas pras outras, mas não as vemos exibindo o corpo entre si como os homens. Talvez já tenham se dado conta que, em geral, mulheres não dão tanta bola para homens exageradamente musculosos, e só precisam da força deles pra carregar as sacolas do shopping.

Em início de carreira, Arnie disse em um documentário que para ele puxar ferro era quase melhor do que atingir o orgasmo. Uma pessoa capaz de soltar do nada uma frase dessas simplesmente não pode ser estúpida. Apesar de não saber se ele disse de brincadeira, o que tenho ouvido ecoar pelas paredes da academia quase comprova tal tese. Certos moleques exageram tanto na quantidade de peso nas barras que produzem rugidos guturais aterradores enquanto os levantam. É isso que eu ganho por deixar o fone de ouvido em casa... Imagine-se montando uma barraca de camping ao lado da jaula dos leões. Às vezes me dá vontade de perguntar para eles se pensam que o que fazem está mesmo melhorando a saúde deles, pois imagino que, depois de duas horas grunhindo a plenos pulmões, eles não devem nem conseguir segurar um lápis na escola no dia seguinte. Qualquer exagero é prejudicial.

*Designer e escritor. Sites:

Um comentário:

  1. A cada duas ou três frases, uma expressão de impacto ou de efeito, como queira. Ficou interessante na forma e no conteúdo.

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