Escritor seminal
O ficcionista baiano Deocleciano
Martins de Oliveira tem papel dos mais importantes na Literatura brasileira,
sobretudo na de caráter regional. É tido e havido como um dos precursores da
chamada “vertente do Rio São Francisco” na ficção, enfocando coisas e gentes
que viviam (e vivem) às margens desse importante curso d’água, que nasce e “morre”
em território nacional e cuja transposição para áreas áridas do Nordeste gera
esperanças e polêmicas (mais estas do que aquelas) . Não se pode afirmar que
tenha sido o precursor dessa corrente. Mas foi, sem dúvida, seu mais ilustre
representante.
Inspirados por ele (e
nesse aspecto pode ser considerado como autor “seminal”, expressão que abomino,
mas que neste caso é cabível) outros tantos escritores (contistas, romancistas
e novelistas) – e não somente baianos, mas também mineiros, sergipanos e
alagoanos – fizeram das margens do Rio São Francisco cenário para suas
histórias e dos tipos que lá vivem seus personagens, heróis e/ou vilões,
conforme as exigências dos respectivos enredos. Esse pioneirismo foi não
somente reconhecido, mas exaltado em estudos literários e em pronunciamentos de
vários acadêmicos (notadamente de Jorge Amado) na Academia Brasileira de
Letras.
É certo que Deocleciano
é hoje mais conhecido, pelos que não estão familiarizados com Literatura, tanto
como pintor e escultor, quanto, e principalmente, como jurista. Neste último
caso, após diplomar-se, em 1931, no curso de Estudos Jurídicos e Sociais pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, desenvolveu brilhante carreira na
magistratura. Foi auditor de guerra, comissário de polícia, juiz de Direito e,
finalmente, desembargador. E tudo na antiga Capital Federal, onde morreu em 1974,
aos 68 anos de idade, quando tinha, ainda, “muita lenha para queimar”,
principalmente como escritor, após aposentar-se de suas funções no Judiciário.
Mas... a morte não manda recado e não poupa ninguém.
O que nos importa,
porém, é sua atuação literária. Suas histórias – quer contos, quer romances –
têm tudo a ver com o Rio São Francisco, com suas baixas e cheias, com seus
pescadores e agricultores, à margem do qual nasceu, na cidade de Barra, que
deixou aos 17 anos de idade, depois que o comércio de seu avô, o capitão Joaquim
Vim Vim, foi à falência, deixando a família na penúria. Mudou-se para Cuiabá,
onde cursou o ginásio. Completada essa fase de ensino, resolveu migrar para o
Rio de Janeiro, onde acreditava que teria maiores oportunidades. E, de fato,
teve. Venceu na então capital do País.
Poderia escrever,
ainda, muita coisa a propósito do Deocleciano Martins de Oliveira escritor, mas
não o farei. Deixo por conta de outros historiadores da Literatura brasileira,
muito mais habilitados (e competentes) do que eu, para que o façam. Mas transcrevo,
abaixo, um trecho do seu conto “Cheia Grande”, publicado na antologia “Histórias
da Bahia! (Edições GDR, Rio de Janeiro, 1963) que tem servido de referência
para esta série de estudos sobre alguns dos principais ficcionistas baianos:
“Esta história foi
inspirada pela Bíblia ao próprio protagonista. Os fatos se repetem de maneira
impressionante e, se os personagens mudam, têm, muita vez, os mesmos nomes.
Como prova disso, cá está o Sr. Noé, varão honesto e justo, que vivia ali no
rio São Francisco, na graça de Deus, lavrando a terra.
As coincidências que se
vão desenrolar tiveram naturalmente causas complexas, porém a mais forte foi,
sem dúvida, a de um vigário ter batizado um menino, certo dia, com o nome
fatídico de Noé.
É mesmo natural que,
atingida a idade de ouvir histórias, os pais lhe tivessem contado a tragédia do
dilúvio universal, não como uma espécie de submersão da Atlântida, mesmo sem
iguais conseqüências, interpretada com exagero por um povo que desconhecia o
resto do globo, e tida como um catigo divino pelo espírito religioso da época,
quando não passava de um cataclismo natural, explicável cientificamente. Era a narrativa
banal dos catecismos que o pai de Noé lhe repetia, certamente concitando o
filho a imitar seu homônimo, justo e bom, a fim de ser considerado entre os
homens e ganhar o reino dos céus...
É de se supor a
impressão causada ao pequeno pelas descrições do espírito e destino do
patriarca de quem herdara o nome. Dizem mesmo que passou a ter um fraco, logo
explorado pela família. Assim que se fazia traquinas, os parentes sabiam a
maneira prática de aquietá-lo: lembravam-no de que Noé nunca cometia
peraltagens, ou não gostaria da brincadeira, bastante se tornava para que o
petiz ficasse mansinho como uma pomba.
Desta forma, à
proporção que se desenvolvia, a mais e mais se identificava com o xará (...)”.
Bem, interrompo, neste
ponto, a narrativa, até para deixar em você, caro leitor, que me honra com sua
assídua companhia, aquele gostinho de “quero mais”. Estou convicto, contudo,
que consegui esboçar razoável perfil desse “monstro”, dessa verdadeira “aberração
da natureza” (tudo no bom sentido, claro) que foi o pintor, escultor,
desembargador e, principalmente (no meu caso) escritor Deocleciano Martins de
Oliveira.
Boa leitura.
O Editor
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Com tantas habilidades, só podemos achar que ele foi bom mesmo.
ResponderExcluirUma personalidade prodigiosa do quilate do conterrâneo DEOCLECIANO MARTINS DE OLIVEIRA, por muitos conhecido merecidamente como o ESCULTOR DA JUSTIÇA, não poderá ficar esquecido ou cair no anonimato. O esquecimento não foi engendrado para gigantes como ele.
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