E a primavera?
* Por Paulo Reims
A primavera, no hemisfério sul, se iniciou no dia 22 de setembro.
Coincidentemente, em frente à minha residência, um pequeno pé de Ipê amarelo,
estreou suas primeiras flores, logo ao dia seguinte, saudando a estação
primaveril. Eu me pergunto até quando poderemos contemplar esta beleza natural!
A seguir avistei, estendida aos pés da colina onde moro, a planície com muitas
e grandes árvores de Ipês, cobertas de flores amarelas, também parecendo uma
enorme sala de recepção, com muitos tapetes arredondados e amarelos, um quadro
verdadeiramente belíssimo.
Havia um velho ditado: Ipê floriu, não geará mais! Usei o verbo no
passado porque este ditado já foi vencido. Já vi uma árvore de Ipê, frondosa,
carregada de flores amarelas e, em seguida, contrariando o ditado popular, veio
uma grande geada; logo após, o sol brilhou e as flores todas murcharam e
secaram.
Já passou o tempo das estações bem definidas. Já presenciei geada antes
do início do outono, e tive que vestir agasalho em plena estação de verão, tudo
isto no Estado de Santa Catarina. Perguntamo-nos tantas vezes pela causa de
tantas alterações climáticas; não é difícil de responder: degradação ambiental!
Quem são os responsáveis? Todos nós!
Faz quinze dias que presenciei uma cena triste e, evidentemente, reagi.
Um pré-adolescente, junto de seu pai, terminava de tomar algo que estava
contido numa garrafa pet, e ao terminar de beber o último gole, arremessou a
garrafa numa moita de capoeira, como se a quisesse camuflá-la, e ao mesmo tempo
esconder seu próprio gesto reprovável. O fato de querer esconder o erro
significa que o reconhece, mas continua persistindo no mesmo. Seu pai nada lhe
falou, quem sabe o filho o imitava!? Mas eu reagi dizendo: ei, mocinho, que
coisa feia, peguei você com a boca na botija! Você nunca ouviu dizer que este
tipo de lixo leva mais de cem anos para se decompor na natureza? E que vai
entupir os bueiros, causar enchentes, e ser levado pelos córregos, depois pelos
rios, até chegar ao mar, enfim, que faz muito mal para todas as criaturas?
Saíram caminhando sem ajuntar a garrafa, e sem dizer nada. Minha
esperança é que em uma próxima vez que for ter este gesto a sua consciência não
o permita, pois no seu inconsciente ficará o meu alerta que o lembrará de que
não somente as câmeras de vigilância poderão filmá-lo, mas que existem muitos
olhares voltados para os pequenos e grandes vilões da natureza.
Exemplifiquei um pequeno vilão que junto a outros produzem grandes
estragos, mas não posso deixar de mencionar um grande, entre muitos vilões. Foi
no dia 24 de setembro, dois dias após o início do calendário primaveril, que
teve início um incêndio em um dos armazéns da Global Logística, em São
Francisco do Sul-SC. Uma imensa e densa nuvem de gases tóxicos se formou, e se
espalhou até o litoral paulista. A grande mídia, que também está nas mãos dos
que pensam antes no dinheiro, divulgou que não faria mal a ninguém, o máximo
que poderia acontecer seria algumas irritações nos olhos, garganta e pele das
pessoas que ficassem expostas à fumaça. Como se isso não fosse o bastante,
sabemos que as consequências não são só estas. É por conta de tantos gases
tóxicos, e uso indiscriminado de fertilizantes, agrotóxicos, e outros produtos
lançados na terra, na água e no ar que a incidência de cânceres e outras doenças
vão avançando, e a natureza vai definhando.
As terras brasileiras, nas mãos de poucas pessoas, são alarmantemente
desmatadas para pastagens e para a monocultura..., com o uso abusivo de
agrotóxicos e sementes transgênicas que comprovadamente trazem mais lucros para
poucos e mais doenças para muita gente inocente e desinformada.
A PEC 215, defendida especialmente pela bancada ruralista, ganha força
em detrimento dos originários donos desta terra, os indígenas. Estão tentando,
de todas as formas, retirar do poder executivo, e passar para o poder
legislativo, a demarcação das terras indígenas. São injustiças clamorosas que
além de continuar a dizimar os povos indígenas, como sempre fez a elite deste
país, se aprovada esta PEC vão desmatar sempre mais, para avolumar suas contas
nos paraísos fiscais. É exatamente este o objetivo. Temos um Congresso Nacional
com bons representantes do povo, mas com muitos mercenários, e que lá chegaram
com nosso voto. Precisamos refletir muito para não votar em quem nos quer matar,
de forma aberta ou sorrateira...
Quando a natureza deixar de florir e der seu último suspiro, e nós
juntos agonizarmos por falta de oxigênio, é que vamos descobrir o quão néscios
fomos em não reconhecer que formamos um todo com o universo. E as manifestações
nas ruas não manifestaram nada disso...
“Brasil, México e Peru encontram-se entre os 10 países do mundo que mais
contribuem à degradação ambiental, de acordo com a "Avaliação do Impacto
Ambiental Relativo dos Países”, realizada pelas Universidades de Adelaide
(Austrália), Princeton (EUA) e Nacional de Singapura”.
Realmente, o gigante acordou com cataratas nos olhos por conta de tanto
veneno e todo tipo de imundice lançados na natureza; e que a paisagem verde,
sempre mais diminuta, não está dando conta de processar.
Portanto, nos ajudem, também, os médicos estrangeiros nas cirurgias de
cataratas a tirar nossas viseiras, para que possamos ver, agir, viver, conviver
com todo o universo, de forma fraterna, harmoniosa e respeitosa, e assim
podermos continuar a contemplar as paisagens primaveris.
*
Jornalista
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