Araranguá
* Por
Urda Alice Klueger
Foi o professor César Sprícigo quem fez o contato:
- Podes?
Agenda na mão, respondi:
- Posso, mas só lá pelo final do ano.
Fui na Primavera, em domingo de chuvinha leve, saindo do norte do Estado
até lá quase no extremo-Sul, cinco horas ao volante numa estrada cercada de
verdes. Araranguá era a ponta do meu caminho, e pareceu só um instante até
chegar lá. Tinha combinado encontro no pátio da Igreja, e chamei o César num
telefone público.
- Estou aí num instante!
Aproveitei o instante para olhar a praça, e que praça, toda cheia de
vida e de sonhos coloridos! Bem no meio, significando o coração da cidade, a
Biblioteca Pública! Qual cidade, igual àquela, para ter uma Biblioteca Pública
no lugar do coração? Deveria ser uma cidade muito especial mesmo, e bastava
olhar em redor para ver, detrás de cada árvore da praça, um casal de namorados
namorando! Bem difícil achar-se uma cidade assim, onde se podia namorar sem
constrangimentos na praça principal, cercando o coração com as grandes emoções
do amor!
Num instantinho o César e sua família chegaram, gente simpática, o César
colega historiador, e historiador, quando se encontra, não acaba nunca de
falar. Levaram-me para o hotel, para a gente se encontrar um pouco mais tarde,
na casa dele. Vinham me buscar, mas soube que era ali pertinho.
- Vou à pé!
Grande idéia, aquela! Se não tivesse ido à pé, não teria visto o céu de
Araranguá, e como era de perfeita madrepérola o céu de Araranguá! Fazia um
pouco de frio, e eu podia sentir no cheiro do vento que ele vinha de um mar que
devia ser próximo, enquanto observava as casinhas bem construídas, bem
pintadas, e os terrenos baldios com jeito de terem sido antigos sítios, com um
pouco de grama, um pouco de árvores, tão lindo! Na casa do César, uma porção de
professoras para conhecer, que a família, a mulher e os dois meninos lindos eu
já conhecia. Faltava conhecer a dissertação de mestrado dele, que me matava de
curiosidade – não é todo o dia que um historiador de Santa Catarina faz uma
aprofundada pesquisa sobre a escravidão no nosso Estado!
Jantamos todos juntos em simpático restaurante, e era tempo de dormir,
pois a manhã na escola começaria cedo. E já antes das sete e meia da manhã, de
mãos dadas com o Padre Diretor do Colégio Murialdo, pedíamos as bênçãos para
aquele dia que, sem dúvida, seria cansativo ... e maravilhoso! E foi, tão
cansativo quanto maravilhoso! Turma por turma eu os conheci, a esses meninos e
meninas de Araranguá, interessadíssimos em saber, em aprender, e tive contato
com todas as séries, desde os grandões do terceirão, até os pequeninos da
pré-escola. Ao meio dia, almocei na casa de uma professora, feijoada deliciosa,
daquelas que dá um sono!
Por que tinha ido lá? Porque o Colégio fazia 50 anos, e estava a
comemorar. Bom colégio aquele, além das crianças e do Padre simpático, o que
mais me encantou foi a maravilhosa casa na árvore que já vi na vida! Pena que
não deu tempo de subir lá! Bem que queria ter ido, com a gurizada da
pré-escola, mas o dia se esvaiu como um sopro. Num instante, o crepúsculo se
aproximava e era hora de ir.
Lucrei um monte: trouxe no coração cada criança daquele colégio, a casa
na árvore, o Padre Diretor, os professores simpáticos, o céu de madrepérola e o
vento com cheiro de mar, e ainda por cima, uma cópia da dissertação de mestrado
do César Sprícigo e muitas notícias históricas sobre escravidão! Isto sem
contar a praça com biblioteca no coração e os corações pulsantes ao redor da
biblioteca! Qualquer dia volto lá!
Blumenau, 27 de Dezembro de 2005
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
.
Bom mesmo é visitar e viajar nas suas palavras. Ir para qualquer lugar. Tudo adquire maior beleza e encanto, seduzindo quem te lê. Obrigada, Urda!
ResponderExcluir