A “Chekov de saias”
conquista o Nobel
As mulheres estão, de
uns anos (recentes) para cá, recuperando o tempo perdido (e põe tempo nisso!),
que ascende a milênios de incompreensível sujeição, em que não tiveram seus
mais sagrados direitos humanos respeitados. E essa “recuperação” se verifica,
praticamente, em todos os campos de atividade. Comprovam, dessa forma, na
prática, o que qualquer pessoa minimamente inteligente, sabe de sobejo ou
deveria saber: que sua suposta (pelo menos alegada) “inferioridade” é o absurdo
dos absurdos. Até porque, competência, sabedoria e em alguns casos genialidade
não são questões de sexo.
A prova mais recente
dessa “recuperação do tempo perdido” (à revelia delas, claro) ocorreu nesta
quinta-feira, 10 de outubro de 2013, em Estocolmo, com o anúncio da concessão
do Prêmio Nobel de Literatura a uma mulher: a contista canadense Alice Munro.
Destaque-se que ela não estava entre os favoritos das várias casas de apostas
da Europa (os europeus e, sobretudo, os ingleses, apostam em tudo). O nome mais
comentado era o do eterno candidato, Philip Roth, que, como se vê, mais uma vez
foi preterido.
Muitos apostavam,
também, na igualmente norte-americana Joyce Carol Oates, no norueguês Jon Fosse,
na bielorussa Svetlana Alexijevich, além da argelina Assia Diebar, do húngaro
Peter Nadas, do queniano Ngugi wa Thiongo, do checo Milan Kundera, do irlandês
William Trevor e do israelense Amos Oz. Foram citados, ainda, posto que com
menores chances, os poetas Adonis (sírio), Ko Um (sul-coreano) e Les Murray
(australiano). Chegaram a ser cogitados os nomes dos norte-americanos Thomas
Pynchon, Margaret Atwood, Don de Lille, Corman McCarthy e até do cantor Bob
Dylan. Estes, todavia, não tinham a mínima chance de serem premiados.
É de se notar, entre os
principais postulantes, a presença de cinco mulheres, fato raríssimo em se tratando do Nobel de Literatura e Alice
Munro acabou sendo a escolhida, o que comprova a crescente valorização feminina
também nas letras, entre tantas e tantas atividades. É certo que, para que haja
a para lá de lógica igualdade entre os gêneros, ainda há longo caminho a
percorrer. Passos decisivos para isso, no entanto, estão sendo dados, todos os
dias e em todo o mundo. Há muito a se escrever sobre a atribuição do prêmio
deste ano e temas correlatos, que não poderão ser tratados neste espaço restrito
e neste dia, por motivos óbvios. Mas teremos muito “pano para manga”, muito
assunto para tratar (o que, aliás, não me falta), nos próximos tempos.
Um ponto importante a
ressaltar, até para fundamentar minha tese, é que Alice Munro – chamada pela
consagrada contista norte-americana Cyntia Ozick, sua grande amiga, de “Chekov
de saia”, em alusão ao mestre do conto mundial, o russo Anton Chekov –
constitui-se, apenas, na décima terceira mulher a ser galardoada com o Nobel.
As doze anteriores foram: Selma Lagerlof (sueca, 1909), Grazia Deledda
(italiana, 1926), Sigrid Undset (norueguesa, 1928), Pearl Buck (norte-americana,
1938), Gabriela Mistral (chilena, 1945), Nelly Sachs (sueca, 1966), Nadine
Gordimer (sul-africana, 1991), Toni Morrison (norte-americana, 1993), Wislawa
Szymborska (polonesa, 1996), Elfriede Jelinek (austríaca, 2004), Doris Lessing
(britânica, 2007) e Herta Müller (alemã, 2009). Convenhamos, é pouco, muito
pouco, pouquíssimo.
Observa-se, todavia,
notável crescimento de mulheres premiadas a partir da década de 1990. Das treze
que receberam o Nobel de Literatura, sete, mais da metade, o conquistaram nesse
período. Portanto, fica claríssimo para qualquer observador atento, que “também”
as escritoras estão recuperando o tempo perdido. Afinal, as mulheres sempre
escreveram bem, mas na hora de serem reconhecidas... sempre prevalecia o
maldito preconceito, enfaticamente negado, não raro dissimulado, todavia
onipresente.
Alice Munro não é
desconhecida no Brasil (seria muito chato se o fosse). Há quatro livros seus,
todos de contos, publicados, em português, no País: “Ódio, amizade, namoro,
amor, casamento” (2004 e que será relançado em 2014, aproveitando a ocasião), “A
fugitiva” (2006), “Felicidade demais” (2010) e “O amor de uma boa mulher”
(lançado, recentemente, ainda neste ano). E a Globo Livros anuncia mais três
lançamentos da autora para o ano que vem. A principal característica de sua
obra, de acordo com os críticos, é que ela, muitas vezes, “se concentra nas
fraquezas da condição humana e na diferença entre sua infância na cidade
conservadora de Wingham e sua vida após a revolução social dos anos 1960”.
Guardadas as devidas
proporções, e levando em consideração a época em que cada uma delas atuou, seu
estilo e sua temática são bastante próximos dos de Elvira Foeppel, sobre a qual
estamos tratando em nossa série de estudos sobre os principais ficcionistas
baianos. A diferença é que uma conta com irrestrito respaldo e ampla
divulgação, que a levaram a conquistar (merecidamente, sem dúvida) o Nobel de
Literatura. Já nossa rebelde feminista nordestina encontrou praticamente todas
as portas fechadas, o que a levou ao desânimo e a abandonar, prematuramente, a
Literatura.
Alice Munro chega ao
estrelato literário aos 82 anos. Nasceu em 1931 na cidadezinha canadense de
Wingham, cenário de diversos dos seus contos (seguiu, portanto, o conselho de
Fernando Pessoa, o de “conhecendo sua aldeia, conhecerá o mundo”. É filha de
uma professora e um fazendeiro. É divorciada de Michael Munro, com quem teve
três filhos, e casada em segundas núpcias com Gerald Fremlin. Sua obra, toda
ficcional, já foi traduzida para dez idiomas. Recentemente, resolveu seguir seu
“guru literário” e também anunciou sua “aposentadoria” da Literatura. Será que
após a conquista do Nobel manterá essa decisão? E você, o que faria no lugar
dela, paciente e fiel leitor.
Boa leitura.
O Editor
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Ficaria com o maior gás e faria uma obra prima.
ResponderExcluirEu também, Mara. Entendo que seria a opção mais inteligente. Tentaria, como tento em minha vida, sempre me superar.
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