quinta-feira, 4 de abril de 2013


O dia nacional da mentira
* Por Amilcar Neves

Houve, de verdade, um dia da mentira no Brasil. E foi num 1º de abril. Há 49 anos. Exatamente em 1964. Acreditava que fosse assunto pacífico, que não se precisasse mais esclarecer o que aconteceu, mas o que se encontra por todos os lados é uma dose enorme de desinformação, outra dose fantástica de má-fé e uma terceira dose monumental de falta de senso crítico.

Menos de 20 anos antes da nossa mentira, a Alemanha nazista foi derrotada. De lá para cá, fazem-se inúmeros filmes, publicam-se incontáveis livros, escrevem-se infindáveis teses, artigos, dissertações e ensaios sobre o assunto. A tônica é a condenação da barbárie de um grupo que assumiu o poder para desvirtuá-lo e pôr em prática teorias esdrúxulas e intolerantes a fim de submeter pessoas por raça, cor, ideologia, religião, gênero, orientação sexual, o que fosse - submeter pessoas que não cometeram crime ou delito fora terem opinião contrária aos poderosos e as prender, torturar, matar e sumir com os seus cadáveres. Hoje, e desde o fim da 2ª Guerra, todos condenam o nazismo, bem como o fascismo, seu aliado na Itália.

No entanto, o que os nazistas fizeram na Alemanha com judeus e opositores internos, ou seja, com aqueles que se recusaram a marchar em ordem-unida ostentando a suástica, a ditadura brasileira fez aqui dentro. E as pessoas, várias delas, fingem esquecer que houve um golpe de Estado que derrubou um governo legitimamente eleito e que haveria eleições democráticas logo ali adiante, em 1965.

Cada vez fica mais clara, na História, a ingenuidade da cúpula militar brasileira - para dar razão à versão de que os nossos generais presidentes morreram praticamente na miséria, "apenas com o soldo da caserna". Se não ganharam nada do ponto de vista pessoal, caíram na conversa como patinhos inexperientes e despreparados: caíram na conversa de políticos inescrupulosos que não conseguiam o poder por conta própria, isto é, pela força dos votos (que não tinham), caíram na conversa de empresários inescrupulosos que trocavam apoio logístico e financeiro por obras faraônicas e lucros empolgantes, e caíram na conversa do governo "democrático" dos Estados Unidos que via com enorme má vontade os ensaios de um país do tamanho do Brasil de sair da tutela americana e se abrir a novos parceiros, especialmente comerciais e industriais, levando consigo boa parte da América Latina e, quiçá, uma dúzia de outras nações subdesenvolvidas.

Criou-se então o conto da carochinha do comunismo que tomaria o Brasil em instantes - ficção que não é sustentada por nenhum documento até agora revelado - e o pessoal incômodo pôde ser alijado. Até o guarda da esquina apontava seus desafetos aos algozes de plantão. Isto pode; na visão de alguns, tinha de ser feito assim. A diferença com o nazismo é que lá fazia-se o mesmo em alemão.

A triste noite de 21 anos trouxe ao Brasil e aos brasileiros um prejuízo ainda não contabilizado, mas o fato é que até hoje não conseguimos retomar o nível de conscientização social, política e humana que tínhamos, como povo, no início dos anos 60.

Sumiram, como se não tivessem existido, milhões de documentos da ditadura. Se militares, políticos e empresários da época estavam tão corretos no que faziam, e agiam dentro da lei, por que não abriram os arquivos da repressão?

O diabo é que agora quem está liberando documentos é o governo dos EUA, e estes são implacáveis nos nomes, nos fatos e nas motivações. Só não vê quem não quer, quem age de má-fé.

 
               * Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.

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