quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Promessa é dúvida

* Por Fernando Yanmar Narciso

Ah, o Réveillon... Roupas brancas, o foguetório, a bebedeira, a musiquinha com o elenco da Globo, Ivete Sangalo pondo um Veloster numa jangada e oferecendo a Iemanjá... Tradição é tradição. Tanto falaram que no dia 21 de dezembro do ano passado ia acontecer isso e aquilo com o mundo, e a pressão para que alguma coisa importante acontecesse foi tanta que, só de birra, o planeta resolveu cruzar os braços, fazer biquinho e deixar o seu “grande dia” passar batido. E olha que tivemos muitos sinais indicando que o apocalipse estava mesmo a caminho: Zé Dirceu indo pra cadeia, Obama reeleito, Kim Kardashian grávida de Kanye West, Corinthians bicampeão do mundo, o Galo vice no Brasileirão, Carolina Dieckman fazendo um personagem que ninguém quer que morra... Só para numerar alguns. Aqueles que viajaram para picos de montanhas “mágicas” e cidades esotéricas, que se trancaram em seus bunkers subterrâneos e até aqueles que se reuniram para promover suicídios em massa, transmitidos ao vivo no Youtube à meia-noite, todos voltaram pra casa com a cabeça enterrada nos ombros. Mas bola pra frente, a vida continua!

Passadas as chatíssimas temporadas de natal e ano novo, chega sempre aquele momento em que o caboclo põe a mão no que sobrou de sua consciência e começa a listar suas rocambolescas promessas de ano novo. Vou arrumar um trabalho, vou casar, vou sair da casa de meus pais, vou empalhar minha avó para ela continuar indo às reuniões de família... Porém, há sempre muitos reveses que atravancam o cumprimento delas, um deles, óbvio, é o Carnaval. Há muito despida de suas raízes religiosas, a festa do povo precisava ser adiantada para a 1ª semana de janeiro, pois como aqui no Brasil tudo só começa a funcionar após o Carnaval, obviamente nossas promessas também acabam atolando no meio do caminho. Afinal, o que não consegue ser esquecido em dois meses? O outro revés é a hipocrisia. Quantas vezes já não vimos gente prometendo parar de beber com uma garrafa de cana na mão, ou prometendo emagrecer enquanto termina de roer o osso do pernil na ceia, ou ser fiel à esposa enquanto manda um torpedo de boas festas para cada amante? Num país assumidamente não-sério como o Brasil, o que não é dito da boca pra fora não é assimilado pelas pessoas.

De qualquer modo, anos novos sempre abrem novos horizontes à nossa frente, qualquer lugar vira a terra da oportunidade. Agora vou listar as coisas que poderia fazer este ano, mas que muito provavelmente não conseguirei, a menos que alguém me ajude. Para começar, em 2013, prometo que vou sabotar minha natureza reclusa e me cercar de amigos. No meu caso, essa é tão fácil de cumprir quanto dar a luz a um porco-espinho. Devido a todos os meus anos sofrendo bullying na escola e no bairro, acabei me tornando um contumaz anti-social na vida adulta. Não tenho nenhum amigo ou, pelo menos, uma pessoa de confiança e não converso com quase ninguém. Sinto muito medo de não ser aceito pela sociedade, apesar do tanto que a mídia diz que hoje o mundo pertence aos “diferentes”. Como alguém que passou a infância e a adolescência ouvindo “CALA A BOCA” de colegas, professores, vizinhos e afins pode sentir-se seguro para conversar com alguém? E para que servem os amigos senão para apontar tudo o que há de errado na vida do outro amigo?

O problema de minha 2ª promessa é que, para cumpri-la, preciso conseguir cumprir a 1ª.

Pretendo resolver o velho e angustiante problema da falta de mulher. Se no mundo existem 10 mulheres para cada homem, então por que eu não consigo ficar com nenhuma? Meu primeiro e único caso foi como achar uma geladeira da Coca-Cola no meio do Saara, simplesmente uma jogada do destino, pois estávamos no lugar certo e na hora certa. Depois disso, nunca mais senti aquela atração selvagem por ninguém. O galho é que, antes de sermos namorados, precisamos nos tornar amigos, e que mulher de juízo ia querer ser amiga de um nerd como eu? Também poderia prometer dar o pontapé inicial em minha carreira artística, mas já é praticamente garantido que nunca conseguirei nada com esse sonho.

Pelo menos uma promessa eu sei que vou, enfim, conseguir cumprir. Depois de muitos anos, meu psiquiatra finalmente vai me liberar para repetir o exame da carteira de motorista, e dessa vez vou conseguir realizar meu maior sonho. Mal posso esperar para ficar horas parado, preso no engarrafamento... Até poderia prometer também que vou arrumar um emprego, mas pra quê? Para aprender a sofrer e ter depressão como gente grande, é lógico!

Boa sorte no ano que se inicia, galera! Tomara que eu também a tenha...


*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Extremamente confessional, mas ficou bom. Promessa é dívida. Então posso cobrar?

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