quinta-feira, 25 de março de 2010




“O melhor sentimento é amor trocado. Dar e não receber amor é tragédia”

Ela é talentosa, autêntica, verdadeira e, sobretudo, compreensiva. Sabe entender as fraquezas e contradições humanas, embora sem perder o indispensável senso crítico, já que uma coisa não exclui (ou pelo menos não deveria excluir) a outra.. Seus textos, e sem exceção, são saborosos e coloquiais, mas sem nunca perderem a objetividade da jornalista que de fato é (vai diplomar-se em junho próximo). Quer redigindo crônicas, cheias de verdades e exemplos, quer comentando o que outros escritores escrevem, é objetiva, direta, observadora e atenta. Não tenta agradar a ninguém e, por essa postura de autenticidade, acaba, no final das contas. sempre agradando, quer a gregos quer a troianos, posto que à sua revelia. Suas crônicas são sempre aguardadas com ansiedade pelos leitores, pois estão, disparadas, entre as melhores do Literário. Pode-se dizer que nossa entrevistada de hoje conta com a “visão holística” do ser humano, em seu sentido lato. Afinal, estuda, há anos, tanto o corpo (como médica que é) quanto a alma das pessoas, seus comportamentos, seus sonhos, suas aflições, suas vulnerabilidades (orgânicas e espirituais), suas vitórias e derrotas. Mas sempre com um olhar compreensivo e justo e, sobretudo, construtivo. Mara Narciso consegue ser, dessa forma, simultaneamente, autora e personagem. É dotada daquela característica que os grandes escritores têm: usa a experiência pessoal, seus sentimentos e pensamentos para projetar nos outros. Afinal, no essencial, somos todos, se não iguais, pelo menos bastante parecidos. Quanto a talento, esses os possui de sobra, e mais, multiplicados. Afinal, consegue ser, ao mesmo tempo, a médica, a jornalista e a escritora. E atua com a mesma competência e paixão nas três áreas, aparentemente tão distintas. Por isso, cá com os meus botões, trato-a (e ela de fato e de direito merece este tratamento) sempre como a “doutora”. Doutora, sobretudo, de humanidade. Doutora com “D” maiúsculo.. Conheçam-na um pouco mais e admirem-na, como este Editor a admira.

Literário – Trace um perfil resumido seu, destacando onde e quando nasceu, o que faz (além de literatura) e destaque as obras que já publicou (se já o fez, claro).

Mara Narciso – Sou mineira nascida em Montes Claros em 12/09/1955. Sou médica endocrinologista há 30 anos, com militância esquerdista desde 1981, ocasião em que participei de uma greve de médicos residentes em Belo Horizonte. Os meus relatórios médicos sempre foram recebidos com alegria pela abrangência e detalhamento da história. Outros médicos liam e gostavam, fazendo comentários. Participei da Associação de Moradores do Bairro Morada do Parque, em Montes Claros, onde fui secretária (escrevente de atas), e também tive a oportunidade de participar do plantio de mais de 2.000 mudas de árvores no meu bairro. Fui sócia fundadora da Associação dos Diabéticos do Norte de Minas, organizando reuniões educativas de 1991 a 2006. Tenho um filho portador de TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção de Hiperatividade-, que me deu muito trabalho. Quando as pessoas viam a minha luta e perguntavam sobre o problema, eu dizia que só escrevendo um livro. E foi o que fiz. Publiquei “Segurando a Hiperatividade” em 2005, e nele conto a história do meu filho e de como o criei. O grande mérito desse livro é ser absolutamente livre de qualquer censura. O lápis vermelho não existiu. Era escrever e arquivar. Tem muitos erros justamente por isso. Como teve uma repercussão interessante, abrindo caminho para palestras, entrevistas e programas de rádio e TV, acabei ouvindo de algumas pessoas que eu tinha uma escrita jornalística. Então me decidi aprimorar e fui fazer a faculdade de Jornalismo, cuja formatura está prevista para junho de 2010.

L – Você tem algum livro novo com perspectivas de publicação? Se a resposta for afirmativa, qual? Há alguma previsão para seu lançamento? Se a resposta for negativa, explique a razão de ainda não ter produzido um livro.

MN – Tenho um livro escrito há quatro anos, chamado “Diário da Medicina da Morte”, onde conto, na forma de diário, o dia a dia da nossa saga, o lado da medicina que não pode oferecer melhora, os tratamentos inúteis, a realidade dos CTIs, e algumas passagens onde defendo a eutanásia. Como médica, eu não posso fazer essa defesa, devido ao juramento de Hipócrates. Não sei como faria para publicá-lo, mas certamente, caso o faça, deverá ser possivelmente com nomes falsos e com tintas de ficção. Também penso que não deixa de ser uma obsessão escrever sobre dramas familiares. Tenho outros temas, e é sempre preciso arrumar outros caminhos.

L – Há quanto tempo você é colunista do Literário? Está satisfeito com este espaço? O que você entende que deva melhorar? Por que?

MN – Sou colaboradora do Literário há um ano, mais ou menos. Fiquei conhecendo-o ainda no Comunique-se há dois anos e meio. Gosto muito do espaço, e entro no blog todos os dias. A atualização diária é um atrativo e tanto, assim como a diversidade de temas, de formas, de pensamentos, de variedade de pessoas em relação a idades, locais onde moram, e diversos gêneros literários. As ilustrações também são pontos fortes. Dar oportunidade para pessoas iniciantes demonstra ser um espaço democrático, que deixa livre a defesa de um ponto de vista ou o seu contrário. O nível da linguagem também é bastante diferente, indo do coloquial ao erudito. O que pode melhorar é a correção mais meticulosa dos textos. Tenho percebido palavras repetidas e próximas e alguns erros de digitação ou não. No mais, não tenho visto grandes erros. Apenas um pouquinho mais de atenção nossa e do editor sanará essas pequenas falhas.

L – Trace um breve perfil das suas preferências, como, por exemplo, qual o gênero musical que gosta, que livros já leu, quais ainda pretende ler (dos que se lembra), qual seu filme preferido, enfim, do que você gosta (e do que detesta, claro) em termos de artes.

MN – Gosto de MPB, principalmente década de 70 (Chico Buarque, Caetano Veloso, Raul Seixas), rock-baladas( Bread, Pholhas, Abba, Bee Gees), e rock anos 80 (Titãs, RPM). Li muitos livros comerciais, best-sellers, que me foram muito úteis. Li poucos clássicos fora do circuito da escola. Comecei por Monteiro Lobato passando por Érico Veríssimo, José de Alencar, Machado de Assis, Jorge Amado, Eça de Queiróz. Pretendo ler “Grande Sertão Veredas”, “Casa Grande e Senzala”, “A Montanha Mágica”. Nunca li Shakespeare, e nem os russos. Preciso correr para dar conta. Dizer que os livros de medicina são espessos não é desculpa. Já gostei muito de futebol, indo aos estádios, e de cinema, vendo até dez filmes num fim de semana. Há alguns anos parei de ver filmes, mas ficou na lembrança “Os últimos Passos de um Homem” com Sean Penn e Susan Saradon. Televisão não vejo há oito anos, apenas o noticiário da Band News quando estou fazendo refeições.

L – Você gosta de teatro? Por que?

MN – Quando menina, via tudo que aparecia, desde as marionetes, até peças escolares, mas aqui acontecia pouca coisa nessa área. Atualmente acabo arrumando alguma desculpa para não ir. Na verdade, as últimas vezes que fui, achei a representação muito forçada. Acredito que a minha formação na televisão tenha importância nessa não preferência.

L – Você já esteve no exterior? Onde? Se não esteve, para onde gostaria de viajar e por que?

MN – Nunca fui nem ao Paraguai. Tenho vontade de conhecer a Ilha de Páscoa, o Egito e a Austrália. As duas primeiras pelo mistério e a última pelo exotismo. Não irei devido ao medo de voar, que meu filho diz ser medo de cair. Que seja.

L – Você tem predileção por algum gênero literário? Qual? Por que?

MN – Gosto de biografias e tenho preferência por ler coisas de minha época de adulta. Gosto de ver retratadas coisas que vivi, costumes que acompanhei. Os livros que mais me marcaram foram Clarissa, de Érico Veríssimo, e Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva.

L – Qual dos seus amigos vive mais longe? Onde?

MN – Tenho um amigo virtual que mora na Alemanha, em Berlim, Michael Gruetzner, que eu conheci no chat Terra há quase oito anos.

L – Qual é, no seu entender, o pior sentimento do mundo? Por que? E qual é o melhor? Por que?

MN – Entre os piores sentimentos ficarei com dois: falsidade e mentira. Não é bom estar na companhia de uma cobra sem saber disso. O melhor sentimento é amor trocado. Dar e não receber amor é tragédia.

L – Se pudesse eleger um único escritor estrangeiro como o melhor de todos os tempos, quem você escolheria? E o brasileiro?

MN – Conheço poucos estrangeiros, pois sempre preferi os nacionais, talvez até por não conhecê-los bem. Li recentemente Irving Avalon, “Quando Nietizsche Chorou”, e fui lendo e relendo o tempo todo para fixar os excelentes diálogos. É claro que sendo apresentada a Nietizsche por Irving, fico com vontade de conhecer o original. O escritor brasileiro que sempre gostei foi Graciliano Ramos, especialmente em “São Bernardo”.

L – O que você está produzindo atualmente?

MN – Estou escrevendo uma monografia do meu TCC - Trabalho de Conclusão de Curso chamada “Entrevista: paralelo entre a prática jornalística e a prática médica”. Estou no começo, mas pretendo mostrar as particularidades de cada uma com suas semelhanças e diferenças. Além disso escrevo pelo menos um texto por semana, geralmente em cima de casos reais de clientes do meu consultório.

L – Qual livro, ou quais livros, está lendo no momento?

MN – Estou terminando de ler o livro de Erasmo Carlos, “Minha Fama de Mau”. Muito superficial, mas com fatos curiosos, embora ele prime por não contar o que o fã quer saber.

L – Fale de alguma pessoa que você considere exemplar. Por que?

MN – A imagem pública pode ser exemplar, mas sempre há coisas a esconder. Conheço muitas pessoas boas, mas não saberia citar uma agora, que todos conhecessem. Estou sem heróis.

L – Em quais localidades do País você já esteve e gostaria de voltar? Por que?

MN – Pretendo morrer apenas depois de voltar a Chapada Diamantina na Bahia, exatamente em Acarai e o seu “Poço Encantado”. É simplesmente celestial. Não acredito que alguém consiga sufocar um oh, ao vê-lo.

L – Qual a sua maior decepção literária? E a maior alegria?

MN – Fui até o fim de muitos livros que não gostei. Também peguei livros jogados em cestas, no monte, por assim dizer, e adorei lê-los. Um deles foi “Hoje eu acordei gorda”, da jornalista Stella Florence, que comprei num shopping em Salvador.

L – O que você acha que deveria ser feito para estimular a leitura no País?

MN – Proibir os professores de obrigar os meninos a lerem livros arcaicos. Quando adultos poderão escolher essas preciosidades caso queiram. A maneira mais fácil de afugentar leitores é mandando-os ler coisas que não entendem.

L – Você tem algum apelido? Qual? Fica irritada quando a chamam assim?

MN – Praticamente não tenho apelidos.

L – Fale um pouco dos seus planos imediatos. E quais são os de longo prazo?

MN – Terminar a minha faculdade de jornalismo e quem sabe conseguir uma função onde eu possa uni-lo à medicina? Poderia editar alguma revista médica, ou site. Depois do infarto, há oito anos, não consigo fazer planos a longo prazo.

L – Há alguma pergunta que não foi feita e que você gostaria que houvesse sido? Qual?

MN –Até que ponto a vida pessoal com sabores e dissabores influenciam no caminho das produções e dos personagens? Até que ponto você se mostra ou se esconde em pessoas aparentemente ficcionais que são você e a sua experiência de vida? Desilusões amorosas, decepções com pessoas antes queridas (parentes, amigos), ampliam ou reduzem a vontade de escrever e a inspiração?

L – Por favor, faça suas considerações finais, enviando sua mensagem pessoal aos participantes do Literário.

MN – Não fossem as trocas literárias e a possibilidade de absorver os pensamentos alheios através da leitura seríamos um nada, e tão chatos que nem mesmo nós nos suportaríamos. Convido a todos para escreverem mais e mais, com carinho e atenção, sempre lembrando que tem muitas pessoas na ponta de cá, ávidas pelas suas letras. Assim, façam seus escritos sem medo, publique-os, e no caso do Literário, apresentem-se para trocar idéias com seus leitores, mesmo que eles não gostem de tudo que você escreva, ou que sejam contra algumas de suas crenças. Não estamos sempre errados, e muito menos sempre certos. Mas também o que é o certo e o errado?

11 comentários:

  1. Pelo pouco que conheço da sua história
    e pelo que posso acompanhar aqui no Literário
    tens em mim uma admiradora.
    Prazer Mara, é bom te conhecer mais um pouquinho.
    Beijos

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  2. Mara,
    você é muito especial.
    Adorei sua entrevista e conhecê-la um pouco mais.

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  3. adorei a entrevista.
    destaque para o trecho "Não é bom estar na companhia de uma cobra sem saber disso. O melhor sentimento é amor trocado. Dar e não receber amor é tragédia"... tenso e verdadeiro

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  4. Mara.

    Muito me alegra, ti conhecer um pouco além, do que já conheço.

    Como sempre és impecável.
    Sou tua fã, número um se me permitir ser.
    Pelo visto, mais um fã na sua relação,se uni para ti agradecer.Sim agradecemos, pelas horas que você se dedica redigir suas crônicas, criticas, seus relatos, gentilmente nos envia como um presente. Um belo presente. Continue nos brindar com seus escritos, nem diante da morte eu, eu deixarei de ler voce. Obrigada!
    Seu depoimento, é de uma lisura ímpar.
    Abraço.

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  5. Mara, adorei sua entrevista! Aberta, franca, direta, interessante! Um grande abraço para você!

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  6. Meninas, agradeço a generosidade de todas, mas extendo o agradecimento ao nosso editor que foi muito pródigo comigo. Obrigada!

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  7. Que bom ver mais da Mara que ja conheço desde Comunique-se e de quem gosto ! A autenticidade enaltecida por Pedro está em cada palavra dessa entrevista. A coragem e a inteligência também. Parabéns e um beijão Mara!

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  8. essa é minha mama
    sempre uma fonte de inspiração e um ombro quando precisamos chorar as mágoas
    apavorou na entrevista

    beijos

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  9. Obrigada Evelyne e Fernando. Estou feliz com os comentários.

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  10. Olaaaaa querida Mara ,"PARABENS"! sua entrevista foi lindaaaa!
    Te admiro muito minha amiga "ESPECIAL"!
    Você é uma "MULHER" fantastica!
    Deus te abençoe sempre!
    Beijos

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  11. Izaura, obrigada por aparecer e se manifestar.

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