quarta-feira, 31 de março de 2010




Cair na vacina para fugir da doença

* Por Mara Narciso

Quando a gripe suína surgiu, o governo de Santa Catarina abafou o apelido com receio de queda na venda de carne de porco. A população mundial teve medo da doença, e a imprensa ampliou em muitos graus o temor popular. O governo e a ciência não negligenciaram a ameaça, e a pandemia ficou sob controle. Houve quem acusasse a mídia de alarmar exageradamente a população. Outros afirmaram que as autoridades estariam maquiando os dados para não haver pânico.

Acompanhei os avanços da influenza com cautela, para não me contaminar. Já sou uma exagerada lavadora de mãos. Não chego aos extremos de George W. Bush, mas lavo as mãos dezenas de vezes ao dia. Após cada atendimento eu as lavo naturalmente. Passei a seguir melhor as normas técnicas de bem lavar. Em alguns lugares cheguei a procurar pelo álcool gel. Os meus cuidados e dos demais aumentaram com a nova gripe, e outras doenças tiveram sua incidência reduzida.

Na Santa Casa, a infectologista Dra. Cláudia Diniz proferiu palestra aos profissionais de saúde sobre a gripe H1N1. No meu caso, o medo diminuiu e pareceu que o vírus tinha ficado mais domesticado. Conhecer um assunto torna o perigo menor e mais controlável, como uma fera, que subitamente pode ser domada. Os médicos otorrinolaringologistas ficaram apavorados. É que o material com o qual trabalham é a secreção do nariz e garganta (não vou poupá-los da palavra catarro, pois é esse o produto da nossa gripe). As demais especialidades não mencionaram maiores preocupações.

Com a chegada do calor, o vírus, que dizem ser frágil, não vive muito tempo fora do corpo, e assim a epidemia acalmou-se, como também as pessoas. No norte do país o ciclo é outro. Assim no Pará as mortes continuaram. E aqui no sudeste, novamente o frio se avizinha.

Desde o começo da pandemia, uma vacina estava sob estudos, e logo as primeiras doses puderam ser usadas. Quando os países ricos estão sob perigo, uma solução surge. Foi um alívio saber que temos vacina contra a gripe A. Vi que era verdade, quando o presidente Barack Obama apareceu publicamente, sendo vacinado.

Aqui, abro um parêntese para me lembrar da minha mãe, cujo amigo teve paralisia infantil. O menino vinha entrando em casa e caiu paralisado na frente dela. Desde então, vivia atenta para quando surgisse uma solução para a poliomielite e vacinar a nós, os seus filhos. Eu já estava com três anos e meu irmão com quatro anos, quando surgiu a vacina Salk. Quando soube pelo rádio, foi ao posto de saúde e buscou as ampolas. Fui vacinada contra a paralisia infantil, e a minha relação com as vacinas sempre foi boa.

Agora, na vacinação de 2010, o primeiro grupo de risco que deverá ser vacinado é o dos profissionais de saúde. Fui a Secretaria de Saúde para me vacinar. Foi uma injeção no braço, região do deltóide, que não me causou nenhum incômodo. Caso não sentisse uma leve perda de equilíbrio quando já atravessava a rua na saída, e um pouco de dor no local da aplicação, algumas horas mais tarde, nem diria que tinha sido vacinada. Mas, para amanhecer o terceiro dia, fui acordada com uma forte dor de cabeça, bastante intensa, que não melhorava com dipirona. Foi seguida por palpitações e uma angústia no pescoço. Procurei cuidados médicos, mas até então não tínhamos relacionado com a vacina. Liguei para a infectologista Dra. Cláudia Diniz, e ela me informou que a dor de cabeça era da vacina, que constava em bula, e duraria cerca de dois dias. Em mim, foram quatro dias de desconforto.

Procurei me informar e recebi da Secretaria de Saúde uma apostila, on-line, de 54 páginas, com várias características da vacina e da atual campanha de vacinação. Não há quase nenhuma contra-indicação e todos poderão receber a vacina, exceto nos casos de a pessoa ter alergia ao ovo de galinha, ou estar em situação de doença aguda grave.

Trata-se de uma tecnologia que usa vírus inativado, e não vírus atenuado como é o caso de outras vacinas. Como os vírus são mortos, não há como causar a doença. É segura, mas efeitos colaterais graves podem acontecer em casos raros. Foram citadas três complicações graves: a Síndrome de Guillain-Barré – polineuropatia aguda, que nos anos de 1976 a 1977 ocorreu em surto nos EUA, durante um programa nacional de vacinação da gripe suína, e manifesta-se clinicamente com paralisia motora ascendente e arreflexia –, a morte súbita, e o choque anafilático, entre outros.

Quem doa sangue, só deve fazê-lo um mês após a vacinação, e os idosos deverão receber as duas vacinas contra gripe sazonal e a gripe suína no mesmo dia, uma em cada braço. As crianças pequenas deverão receber duas doses da vacina com intervalo de trinta dias. As grávidas de qualquer tempo de gravidez devem ser vacinadas. Os eventos adversos podem ocorrer em 10 a 100 pessoas para cada 100 mil doses aplicadas.

Agora estou à espera da formação dos anticorpos, o que deverá acontecer em maior quantidade entre o 14º e 21º dia. E ontem, no quarto dia de dor de cabeça e palpitação, pensava nos dois dias em que não pude trabalhar, e questionei se deveria ter me vacinado. A despeito da campanha difamatória contra a vacinação na internet, afirmo que vacinaria sim, já que sou pela ciência e não pelo obscurantismo, mas quando um caso raro acomete a gente, a incidência da raridade é de cem por cento para nós.

* Médica endocrinologista, acadêmica do oitavo período de Jornalismo e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”

5 comentários:

  1. Uma luz no fim do túnel
    em meio a um mar dúvidas.
    Texto esclarecedor.
    Obrigado Mara.
    Beijos

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  2. Muito bom seu texto, amiga Mara. Minha esposa é diabética tipo 1, e as recomendações médicas são contraditórias. Um indica a vacina e outro não. Enfim...
    Um abraço e parabéns.

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  3. Mara, tô fora de todos os grupos que têm direito a vacina...e até lamentava, pq tbem tenho uma ótima relação com vacinas e injeções. Mas, outro dia conversando com uma amiga médica de São Paulo, ela me disse que seria melhor não tomar, que a vacina tem dado mais problemas que previnido a doença..e aí serão casos isolados e de uma única região??

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  4. Núbia,agradeço a manifestação.
    Marcelo, o diabetes favorece o aparecimento de Guillain Barré em vacinações contendo virus. Dificil ser categórica, mas no geral, estou sugerindo a vacinação aos meus pacientes portadores de diabetes. Quanto mais baixa a imunidade, mais indicada está a vacina, inclusive para pessoas imunodeprimidas.
    Aliene,falando de forma generalista, estou indicando a vacina.

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  5. Obigada, Mara, por eleborar um texto a respeito da vacina. Minha mãe (e grande parte da população) estava precisando de maiores esclarecimentos! Abraço!

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