terça-feira, 2 de junho de 2009




Amor de domingo (I)

* Por Fábio de Lima

Fui caminhar no parque. Fazia frio naquela manhã de domingo, em São Paulo. Um termômetro de rua marcava 11º. Outro 10º. E um mais friorento me mostrou 7º. Acho que esse último exagerou um pouco. Fui durante o trajeto de casa para o parque ouvindo Raquel Yamagata no som do meu carro. Eu estava de tênis, bermuda, camiseta e blusa.

Acordei muito cedo naquele dia. Sai de casa com o céu ainda escuro. Estava com vontade de correr logo pela manhã. Não sou atleta. Poetas são sedentários. Poetas são seres desregrados. Poetas são loucos que não acreditam em nada mais importante que o amor. E eu, poeta, nunca cuidei de mim, mas, apenas, das mulheres que amei.

Quando cheguei ao parque o dia começava a amanhecer. Os pássaros acordavam uns aos outros com seus cantos. Iguais a mim, poucas pessoas naquela hora. A cidade ainda tinha sono. E quem acredita que São Paulo não pára nunca deveria caminhar no Parque do Ibirapuera às 6h00 de um domingo frio.

Eu pisava na grama molhada de orvalho e me desviava das árvores com a sutileza de quem se desvia dos pensamentos ruins numa madrugada natalina. Eu estava pensando no amor que não me dei ao longo de todos esses anos. E pensava se todas as mulheres que já passaram em minha vida se lembravam de meu nome.

Na verdade, acreditava que elas até se lembrassem. Talvez não tanto quanto eu me lembrava delas, mas o suficiente para fazer brotar um sorriso, se não na face, pelo menos na alma. E quem se esqueceu de mim durante todo esse tempo não foi outro que não eu mesmo. Esqueci de fazer por mim as coisas mais banais e, também, as mais complexas que um dia pensei.

Atravessei a pista de cooper e toquei com a mão esquerda em um Eucalipto antigo que deixava tombar suas folhas e cascas sobre a terra, semeando assim o futuro. Parei e observei umas formigas andando rápido pela terra úmida em busca de abrigo ou de algo mais que uma floresta para viver. Observei aquelas formigas por vários minutos. Quando levantei os olhos e olhei à minha volta, algo aconteceu.

Naquela gelada manhã de domingo uma garota de cabelos pretos, rosto de traços marcantes, não mais que 1,55m, vestindo uma calça e blusa de malha azul-marinho, deixando a gola de uma blusa rosa aparecer próximo ao pescoço e com um tênis bem sujo, daqueles que deixam os pés totalmente à vontade, me olhou nos olhos e sorriu.

- Parece que essas formigas não sentem frio, não é?
- O que você disse?

Eu fiz não entender o comentário dela porque precisava de mais alguns segundos para pensar.

- Eu disse que essas formigas ficam vagando por aí e parecem não sentirem frio em nenhum instante.
- Ah, verdade. Mas também todas elas estão usando cachecol, né?
- Usando o quê?
- Cachecol. Você não está vendo?
- Como assim?
- Estou brincando com você. Foi uma brincadeira.
- Ah, tá. Agora eu entendi.
- Meu nome é Flávio. E o seu?
- O meu é Daniela.
- Prazer, Daniela.
- Prazer, Flávio.
- Que frio faz hoje. Você deveria estar dormindo essa hora, Daniela.
- Eu tenho marido feio, então saio da cama muito cedo.
- Ah, você é casada?
- Não, não sou. Foi só uma brincadeira.
- Pelo visto a gente não está conseguindo entender as brincadeiras um do outro, não é mesmo?
- Deve ser por que ainda não faz nem cinco minutos que a gente se conheceu, né?
- É. Deve ser isso.
- E você, por que está acordado tão cedo nesse frio?
- É que eu tenho 11 filhos e quando dá cinco horas da manhã eles acordam e não me deixam mais dormir.
- Você está brincando, né?
- Estou. Acho que a gente está começando a se entender.

E nesse instante demos risadas gostosas naquele domingo que apenas começava.

(Continua na próxima semana)


* Jornalista e escritor, ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO, com publicação (ainda!) em data incerta.

7 comentários:

  1. Ah, Fábio, como o frio é mal conselheiro para corações em desassossego. A tristeza amplia-se, a dor incomoda muito mais, e vamos em busca de derivativos para suportá-la sem choro. A cama nos afugenta, e a energia nos foge. O ar quente que sai das nossas bocas são o sopro de esperança que precisamos para caminhar, seja no dia a dia, seja no parque num domingo gelado. Aguardo o restante desse frio na próxima semana.

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  2. Tá indo bem, vamos ver onde vai parar isso. Estou curioso e já torço para que a cena final seja debaixo de um flamboyant: os dois aos beijos e flores douradas caindo sobre vocês. Depois, com o tempo, quem sabe, onze filhotes virão. Mas isso seria numa crônica futura. E ainda tens muito a escrever até lá, caro Fábio. Grande abraço.

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  3. 11 filhos...?! Um dia quero ter um e quero o amar muito e também amar muito a mãe dele. E, por fim, mas não menos importante: quero que ela me ame também. Um abraço, Daniel.

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  4. Um diálogo mágico num domingo frio. Parabéns e bjs, Fábio!

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  5. Nada como a ficção para iniciar um diálogo que quase sempre vai longe, não é, Fábio? Aguardo a continuação desta historia. Ela promete!
    Beijos

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