Líderes naturais
* Por Pedro J.
Bondaczuk
Os
escritores são líderes naturais de suas comunidades e do seu tempo.
Sei que muitos irão me contestar, como já contestaram em outras
ocasiões em que levantei a tese. Creio, porém, que a contestação
se deveu em decorrência do mau entendimento desse conceito, por
sinal bastante elástico. Via de regra, liderança é entendida como
capacidade de comando, notadamente em política e no mundo
empresarial ou somente neles. Esse entendimento, no entanto, apenas
restringe e amesquinha essa capacidade natural que algumas pessoas
especiais têm.
O
escritor lidera, sim, e muito, no terreno das ideias, o seu povo.
Analisa comportamentos, filtra conhecimentos, critica ações nocivas
e deletérias, enfatiza as positivas e construtivas e, dependendo da
sua capacidade de comunicação e da sua projeção, “faz a
cabeça”, não raro, de toda uma geração. Trata-se, pois, de uma
liderança natural, espontânea, não forçada e, não raro, sequer
reconhecida pelo próprio líder, ou seja, o escritor. Todavia é
real, é concreta e em boa parte dos casos, dependendo das
circunstâncias, é efetiva.
Antes
de mais nada, é preciso esclarecer uma questão, que já tratei em
outras oportunidades neste espaço de reflexão, mas que nunca é
demais reiterar. Há certo equívoco em torno dos conceitos de
“chefia” e de “liderança”. Muitos entendem que os dois
termos sejam sinônimos e que, por consequência, signifiquem a mesma
coisa. Não significam. Chefiar nem sempre implica em liderar. Chefes
são meros elos de uma corrente hierárquica. Líderes, por sua vez,
não se submetem a nenhuma hierarquia, a não ser às das ideias que
comungam.
Os
primeiros são para serem obedecidos, os segundos, para serem
seguidos. Ricardo Bergamin nos lembra: “Os chefes dão ordens, os
líderes dão exemplos”. Ordenar implica em impor. Liderar
significa convencer. Chefes são realistas e existem para manter
certa ordem instituída, sem se importar se é justa ou injusta.
Líderes, todavia, são idealistas. Sua missão é conduzir grupos de
pessoas e até mesmo povos inteiros a novos caminhos, para desbravar
o mundo e implantar sublimes ideais de justiça, solidariedade e
liberdade. Submeto-me a chefes. Contudo, admiro, e procuro imitar (e
seguir) apenas os líderes.
O
historiador e ex-assessor especial do presidente norte-americano John
Fitzgerald Kennedy, Arthur M. Schlesinger Junior, escreveu, em um
ensaio publicado há muito tempo: “A liderança é o que realmente
faz o mundo girar. O amor torna sem dúvida este giro mais suave; mas
o amor é uma transação particular e consentida entre adultos. A
liderança – capacidade de inspirar e mobilizar massas de pessoas
– é uma transação pública com a história”.
Os
artistas (e, entre eles, claro, os escritores) que, em fevereiro de
1922 organizaram e promoveram a Semana da Arte Moderna em São Paulo,
ajudaram a instituir não apenas novos padrões artísticos
(estéticos) e, por extensão, literários. Investiram contra os
padrões vigentes – filosóficos, sociais e até morais –
nitidamente esclerosados e ultrapassados e “lideraram”, dessa
forma, uma revolução, posto que sem armas e sem barricadas.
Cumpriram, por consequência, um papel de líderes, que defendo que
sempre exercitem.
As
sociedades humanas, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de
pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com capacidade inata
de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima dessa necessidade
é que se estruturaram as hierarquias – desde as familiares (nos
clãs), às tribais e posteriormente comunitárias e nacionais.
Como
ocorre com todos os animais, possivelmente até por questões
genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores do que
outros. São os que normalmente constituem as elites. Quando não, se
transformam em rebeldes, em contestadores, em questionadores que não
se submetem ao status vigente. São os revolucionários, fatores
essenciais de mudanças, para o bem e para o mal.
Há
claro, lideranças perniciosas e até desastrosas. São as daqueles
líderes nacionais que conduzem seus povos às guerras. Estes
deveriam se conscientizar da gravidade de seus atos. Precisariam ter
noção das desgraças que vão causar. Deveriam entender (mas não
entendem) a real natureza do poder que lhes é outorgado.
Necessitariam ter em mente o todo, e se conscientizar que o período
que vivem é mero segmento de algo muito maior, infinitamente mais
amplo, que é o eterno.
Convenhamos,
não há glória alguma em destruir, causar dor, matar. E nem há
ciência.. Na verdade, não somos nada. Somos menos do que um piscar
de olhos na eternidade. E, no entanto, alguns de nossos atos têm um
alcance tão grande, que continuam a produzir efeitos através dos
anos. Às vezes, até por séculos, muito tempo depois da nossa
extinção como pessoas.
A
esse propósito, Schlesinger observou: “A liderança pode modificar
a história para melhor ou para pior. São os líderes os
responsáveis pelos crimes mais horríveis e as loucuras mais
extravagantes que desgraçaram a raça humana. Mas a eles também se
credita terem induzido a humanidade a lutar pela liberdade
individual, a justiça social e a tolerância religiosa e racial”.
Só
é capaz de difundir ideias quem as tem. Essa afirmação é
acaciana, para lá de óbvia, mas muitos não se dão conta. Pessoas
com cabeças vazias julgam-se capazes de liderar povos rumo a um
destino que consideram glorioso e que, não raro, na verdade, é
desastroso, para não dizer catastrófico. Quem lida com conceitos e
valores, todavia, exerce, no contexto social, uma liderança natural,
mesmo que não se dê conta. E o escritor lida com o que? Exatamente
com isso. Ou seja, com ideias, com conceitos, com valores. Vai daí...
Para
encerrar o assunto (por hoje), cito o que William James escreveu a
respeito: “A noção de que um povo pode dirigir-se e aos
seus negócios anonimamente, é, como se sabe hoje muito bem, o maior
dos absurdos. A humanidade nada faz a não ser através das
iniciativas dos inventores, grandes ou pequenos, que nós imitamos –
são estes os únicos fatores do progresso humano”.
*
Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do
Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções,
foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no
Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios
políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance
Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas),
“Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da
Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º
aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio
de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53,
página 54. Blog “O Escrevinhador” –
http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
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