segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Silêncio rumorento da tarde - Abílio Pacheco


Silêncio rumorento da tarde


* Por Abílio Pacheco


traz-me o vento um acorde seco
um sol mofino desafina fios mofos
não têm graça esses seres leves
mais leves que uma aeronave
veículo mais pesado que o ar
e o vento se azucrina desses cavalos
dormentes que trotam em teclas
são os pássaros em paços urementos
em que sandálias longe de serem dálias
sapatos chapinham em passos
e em tamancos… sim! manqueantes
moças dammes e raparigas chiam
aquele um torce-se e cospe na pedraria
causo do que a praça me faz inalo
estridem dos bicos como gosma
escorrendo entre meio fio e desvio
ou ao menos tento enxoto meu pé
meus cascos dos cacos e gomas de chique
de chicle de boca esnobe “trái” “daite” “laite”
dela mesma mana denasando
a manteiga do escarro ordinário
há canções belas esgarçadas por
abafadas por sopros de mormaços
hálitos de bochornos suarentos
bafos de sovacos desadovados
não há canto rijoso a malodor
e duram então essas coisas aí
tecno-quê de melody-lhufas
gargalhos zanzos banzando
dejetos vesperais nas lâminas
lamas do velho lemos a-tonus
lesmas ideias de empulcrar ruas
ridentes desrimos desrumos
desrimamos dentes de fora
alegrias destons rictos ao sol
aos poucos se ciciam anêmicas
arengas rogos mojos a-rengas
somadas delas de-somadas
à tarde a tarde atarda clara
nívea de cristais núbil
canoros breus soteros brumos
prumos pros rumos rumores
haveres de versos à espreita
inseto retido em pus catarro
vômito em estômago mareado
o poema no hades dos ruídos
no inferno sonoro da tarde
bolha de ar em balde emborcado
asfalto cedendo à força d’água

* Abilio Pacheco é professor, contista, romancista e editor.

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