segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Cidade limpa?


* Por Adriana Reis
 

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, anda orgulhoso pelo que julga um trabalho bem-sucedido, no intuito de deixar a cidade mais limpa. O projeto nada mais é do que a proibição de outdoors, placas, anúncios e letreiros, que qualquer paulistano encontrava a cada esquina. Bastava sair de casa. Também entrou neste pacote a regularização do tamanho de placas com nomes de lojas e outros estabelecimentos comerciais – algo que já vinha sendo planejado, só que com mais diálogo, desde a administração anterior, diga-se de passagem.

É fato que algumas fachadas estão sendo (re)descobertas, como afirma a publicidade que destaca o “sucesso” da empreitada. Mas a sensação, para quem nasceu e passou os últimos 29 anos de vida por aqui, é de que São Paulo está nua. Obscenamente nua.

Lembro quando, ainda criança, comecei a reparar na publicidade externa. No interminável (aos olhos de uma criança) trajeto entre minha casa, na região do Jabaquara (zona sul) e a de meus avós, na Vila Carrão (zona leste) distraía-me tentando decifrar aqueles códigos e mensagens de apelo consumista ou de utilidade pública.

Eu tinha 6 ou 7 anos de idade e ficava maravilhada com minhas primeiras experiências de leitura. Quase sempre, chegava com enjôos ao meu destino. E aqui vale um parênteses: demorei anos até desvincular essa sensação da visita periódica que fazíamos aos pais do meu pai.

No velho (já naquele tempo) fusquinha verde-abacate, ao lado do meu irmão menor e de meus pais, eu ia descobrindo o mundo. Sentia-me atraída e estimulada ao desafio de ler e entender a língua portuguesa escrita em curtas mensagens.

Assim, ir para a escola era uma forma de me munir de conhecimentos para, nos fins de semana, conseguir ser mais ágil na tarefa de leitura. Dos outdoors eu passei para os livros e daí para as revistas, os jornais... num caminho sem volta que fez de mim uma jornalista. Hoje, tenho consciência da importância que eles – os outdoors – tiveram para me estimular a ler. Porque foi essa publicidade externa que mostrou a mim – então uma criança com pouco acesso às palavras escritas dentro de casa – que a leitura tinha uma aplicação prática e deliciosamente atrativa.

Fico na dúvida, portanto, se foi a cidade que ficou mais limpa, sob o aspecto da poluição visual, ou se perdemos um acesso importante para a alfabetização. Se assim for, lamento pelos pequenos que, ao se sacudirem no banco de trás de seus carros, não podem mais se familiarizar com as letras, suas combinações e significados, no caminho para a casa de seus avós.

* Jornalista
 


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