Cidade limpa?
* Por
Adriana Reis
O prefeito de São Paulo,
Gilberto Kassab, anda orgulhoso pelo que julga um trabalho
bem-sucedido, no intuito de deixar a cidade mais limpa. O projeto
nada mais é do que a proibição de outdoors, placas, anúncios e
letreiros, que qualquer paulistano encontrava a cada esquina. Bastava
sair de casa. Também entrou neste pacote a regularização do
tamanho de placas com nomes de lojas e outros estabelecimentos
comerciais – algo que já vinha sendo planejado, só que com mais
diálogo, desde a administração anterior, diga-se de passagem.
É fato que algumas fachadas
estão sendo (re)descobertas, como afirma a publicidade que destaca o
“sucesso” da empreitada. Mas a sensação, para quem nasceu e
passou os últimos 29 anos de vida por aqui, é de que São Paulo
está nua. Obscenamente nua.
Lembro quando, ainda criança,
comecei a reparar na publicidade externa. No interminável (aos olhos
de uma criança) trajeto entre minha casa, na região do Jabaquara
(zona sul) e a de meus avós, na Vila Carrão (zona leste)
distraía-me tentando decifrar aqueles códigos e mensagens de apelo
consumista ou de utilidade pública.
Eu tinha 6 ou 7 anos de idade
e ficava maravilhada com minhas primeiras experiências de leitura.
Quase sempre, chegava com enjôos ao meu destino. E aqui vale um
parênteses: demorei anos até desvincular essa sensação da visita
periódica que fazíamos aos pais do meu pai.
No velho (já naquele tempo)
fusquinha verde-abacate, ao lado do meu irmão menor e de meus pais,
eu ia descobrindo o mundo. Sentia-me atraída e estimulada ao desafio
de ler e entender a língua portuguesa escrita em curtas mensagens.
Assim, ir para a escola era
uma forma de me munir de conhecimentos para, nos fins de semana,
conseguir ser mais ágil na tarefa de leitura. Dos outdoors eu passei
para os livros e daí para as revistas, os jornais... num caminho sem
volta que fez de mim uma jornalista. Hoje, tenho consciência da
importância que eles – os outdoors – tiveram para me estimular a
ler. Porque foi essa publicidade externa que mostrou a mim – então
uma criança com pouco acesso às palavras escritas dentro de casa –
que a leitura tinha uma aplicação prática e deliciosamente
atrativa.
Fico na dúvida, portanto, se
foi a cidade que ficou mais limpa, sob o aspecto da poluição
visual, ou se perdemos um acesso importante para a alfabetização.
Se assim for, lamento pelos pequenos que, ao se sacudirem no banco de
trás de seus carros, não podem mais se familiarizar com as letras,
suas combinações e significados, no caminho para a casa de seus
avós.
* Jornalista
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