Férrea dependência
O
homem só, fora do seu grupo (quer familiar, quer social, político,
ideológico etc.), é um dos animais mais frágeis e vulneráveis da
natureza. Sua imensa força e inegável poder advêm do coletivo, da
soma de várias capacidades individuais, a despeito da sua faculdade
de raciocínio e compreensão, que o distingue dos demais seres
vivos. Depende do que se pode chamar de “sistemas”, que se ligam
uns aos outros para compor um todo, que é o conjunto de nações
existentes no mundo e que se convencionou chamar de “humanidade”.
Há
quem conteste essa dependência e cite o caso de náufragos, que vão
parar em remotas ilhas desertas e conseguem sobreviver sozinhos, se
adaptando a condições das mais adversas possíveis. Casos, contudo,
como o de Robinson Crusoé (que alguns garantem que de fato existiu e
que Daniel Defoe, portanto, se baseou num personagem real para
escrever o seu clássico), ou do personagem do livro-reportagem de
Gabriel Garcia Márquez, que sobreviveu por cerca de 180 dias em uma
frágil balsa perdida nas águas do Caribe, são raros.
Ademais,
essas pessoas permanecem isoladas por tempo relativamente curto, um
ano ou dois se tanto, até serem resgatadas, por isso conseguem
sobreviver (quando conseguem). Se não fossem, todavia, encontradas e
reconduzidas à “civilização”, quanto tempo sobreviveriam, sem
enlouquecer? Quantos meses demorariam para morrer de alguma doença
banal (uma gripe, por exemplo), ou de anemia, por falta de
assistência médica?
Não
adianta argumentar. Gostemos ou não, dependemos de sistemas, com
todas as injustiças e contradições que eles possam ter (e, sem
dúvida, têm). Mas só os valorizamos quando, por alguma razão,
perdemos o lugar em algum deles.
Se
a perda for no social, por exemplo, corremos o risco de nos tornar
marginais, de virarmos “sem-teto”, a quem ninguém dê guarida,
socorro ou pelo menos atenção. É quando desejamos,
desesperadamente, retornar à condição anterior à perda, às vezes
(quase sempre) em vão.
Os
rótulos variam, mas a sensação de impotência é sempre a mesma.
Se a perda ocorre, por exemplo, no sistema político, tornamo-nos
subversivos, com riscos de terminarmos à frente de um pelotão de
fuzilamento ou de apodrecermos em alguma prisão. Se for no
religioso, seremos considerados hereges. E assim por diante.
Atentei
para esse fato, porém, apenas após ler este trecho de Nathaniel
Hawthorne, que a princípio analisei com desdém, mas que no final
das contas tive que aceitar como a mais pura expressão da verdade,
dadas as evidências: “Em meio à aparente confusão de nosso
misterioso mundo, os indivíduos estão de tal forma perfeitamente
ajustados a um sistema e os sistemas uns aos outros e todos a um todo
que um homem, ao sair de um sistema por um momento, se expõe ao
risco espantoso de perder seu lugar para sempre”.
E
por que desdenhei, em princípio, dessa constatação? Por causa do
histórico de vida de Hawthorne. É verdade que o autor de
best-sellers como “A letra escarlate”, “Fanshave”, “Histórias
narradas duas vezes” e “O fauno de mármore”, entre outras, é
considerado o primeiro grande escritor da Literatura norte-americana,
que deu ao mundo mentes notáveis e privilegiadas como Henry David
Thoreau, Ernest Hemmingway, John Steinbeck, John dos Passos, Scot
Fitzgerald, William Faulkner, Edgar Alan Poe, Walt Whitman, Ralph
Waldo Emerson, Will Durand etc.etc.etc. Como se vê, não é pouca
coisa. Além disso, ele é tido e havido como o maior contista já
nascido nos Estados Unidos (o que, a meu ver, é contestável).
Se
Hawthorne foi tudo isso, qual a razão de ficar com um pé atrás em
relação à citada observação? O motivo é o seu engajamento. É a
sua visão parcial e dogmática do mundo. É a rigidez com que avalia
quem não pensa como ele. Afinal, esse escritor é considerado, até
hoje, ícone do puritanismo. Portanto, com forma de encarar o mundo
(e os homens) adstrita, exclusivamente, (se não fanaticamente) à
sua linha de pensamento.
Ademais,
na verdade, não afirmei que sua constatação era incorreta. Disse,
apenas, que precisei meditar um pouco para concluir o quanto é
verdadeira e pertinente. Nathaniel Hawthorne foi bisneto de um dos
mais implacáveis juízes das feiticeiras de Salém (sua cidade
natal), na Nova Inglaterra, episódio que a maioria dos
norte-americanos não tem lá muito orgulho de recordar. Mas parece
que ele tinha.
A
conclusão a que chego é que o tão propalado livre-arbítrio não é
tão livre quanto se pensa ou seria desejável. Estamos subjugados à
férrea dependência advinda da nossa fragilidade individual. E isso
derruba todos os postulados anarquistas, de uma vida sem regras,
leis, normas ou quaisquer outras imposições que confiram ordem e
rigor à vida em comunidade.
Boa leitura!
O Editor.
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Abordagem correta de um tema precioso.
ResponderExcluirDestaco: "livre-arbítrio não é tão livre quanto se pensa ou seria desejável." Vamos lendo, pensando e tecendo o nosso livre-arbítrio.