A
coroa de lata e o rei do Amazonas
* Por
José Ribamar Bessa Freire
De
longe, eu te avistei, meu maninho, meu irmão, assistindo o debate na
quinta-feira (3) na Rede Amazônica, entre os oito candidatos a
governador na eleição de domingo (6). O primeiro a falar foi
Amazonino: “Eu acumulei experiência” - ele disse, sem
especificar, mas nós sabemos qual a experiência que ele entesourou.
“Dá para você pelo menos ter de volta o que já teve” –
prometeu. Anunciava assim devolução do que foi subtraído ao povo?
Foi ai, meu maninho, meu irmão, que você, empanturrado com tanto
blá-blá-blá, desligou a TV e eu me lembrei da eleição para
prefeito de Manaus em 2004.
Naquela
ocasião, com tua boca desdentada, teu ar subnutrido e tuas sandálias
havaianas, caminhavas pelas ruas da Compensa, ao lado do candidato,
Amazonino Mendes. Observei quando um grupo de moradores, do qual
fazias parte, improvisou uma coroa de papel dourado, colocou sobre a
cabeça do candidato e começou a gritar em coro, numa cena patética,
carregada de simbolismo: “Rei da Compensa! Rei da Compensa!”.
Depois
da cerimônia de “coroação”, vi quando o séquito percorreu as
ruas do bairro. Aconteceu um minicomício. Lá, o ‘novo rei’
discursou para os “súditos”, usando frases pomposas: “Não
posso viver longe do meu povo, por isso estou novamente aqui como
candidato”. Treze anos depois, ele repete o mesmo papo furado.
Meu
maninho
Lendo
os jornais que noticiaram tal “coroação”, comecei a cantarolar
a marchinha dos carnavais dos anos 50 gravada por Francisco Alves, o
Chico Viola:
-
“A coroa do rei, não é de ouro, nem de prata. Eu também já usei
e sei que ela é de lata”.
Cantei
até o último verso, confirmando que a coroa era mesmo “de lata
barata”, não valia um vintém. Na música como na vida. Cantei
alto, mas tu não me ouviste, meu maninho, meu irmão, porque estamos
muito distantes um do outro.
Resolvi
ficar mais perto e acompanhar o séquito. Registrei a chuva que
naqueles dias inundou com lama muitas casas da periferia de Manaus.
Depois, no comício do Mutirão, lá estavas tu, aplaudindo a
‘nobreza de lata’, a nobreza de igarapé. Em cima do palanque, as
cabeças ‘coroadas’, as barrigas proeminentes, as dentaduras
postiças; em baixo, bocas desdentadas, a fome, a miséria e a
desinformação. A condição para que os de cima fiquem por cima é
que mantenham os de baixo lá embaixo. Tu estavas lá embaixo, meu
maninho, meu irmão.
Aí,
a “alteza real” discursou, lembrando que o seu reino era desse
mundo. Com um estilo capaz de despertar inveja em Abelardo Barbosa
Chacrinha, perguntou: “O Mutirão quer creche? Então vai ter. O
Mutirão quer pré-escola? Então vai ter”. Uma vez mais vi que tu,
meu maninho, meu irmão, acreditavas na retórica vazia e em
promessas jamais cumpridas.
Fiquei,
então, com pena de ti, de mim, de nós. De ti, meu maninho, meu
irmão, porque estás desinformado, o que te leva a agir contra os
teus interesses históricos, te faz votar no atraso e no engano, não
permite que percebas quem são teus reais aliados e quem são teus
inimigos. De mim, porque do lugar onde estou dá para ver o que
acontece, mas sou um pobre coitado e não encontro o caminho para te
ajudar a abrir os olhos, como outros abriram os meus. De nós, porque
podemos pagar caro, entregando nossas vidas nas mãos de quem só
pensa em saquear os cofres públicos, seguindo o exemplo do Temer e
de sua base parlamentar.
Meu
irmão
Manaus
em 2004 já contava com quase 2 milhões de habitantes, movimentando
cerca de 10 bilhões de dólares por ano. Possuía um parque
industrial com mais de 400 indústrias, que geravam cerca de 80 mil
empregos diretos, e rendiam 2,79 bilhões de dólares aos cofres da
União, o que correspondia a 60% da arrecadação do Norte. Os cofres
foram sempre saqueados pelos gangsters no poder.
O
governo do Amazonas não deve continuar mais nas mãos da bandidagem.
Meu maninho, meu irmão, tu não podes mais seguir trocando o teu
voto por rancho ou por trinta moedas. Nem muito menos por promessas
que nunca serão cumpridas. Não te deixes influenciar pelo
espetáculo deprimente, pelo show de horrores que assistimos nesta
última quarta-feira em Brasília, com um presidente flagrado com
batom na cueca, denunciado formalmente pela Procuradoria Geral da
União e comprando votos de deputados para não ser investigado.
Vê
quem são os aliados da quadrilha no poder lá em Brasília. Querem
manipular tua consciência! Tentam te enganar. Agora, tudo depende de
ti, meu maninho, meu irmão. O destino da nossa cidade, do nosso
Estado, da qualidade de vida para ti e para teus filhos, depende
apenas da tua capacidade de abrir os olhos, de votar consciente e de
colocar uma coroa de verdade – não de lata – na cabeça de quem
merece.
Como
entender o teu gesto, meu menino, meu irmão, coroando um candidato
como o ‘Rei da Compensa’?
O
sociólogo francês Jean Baudrillard tem uma teoria de que as massas
muitas vezes colocam coroa de lata na cabeça de alguns eleitos só
para rir secretamente do poder. Quanto mais grotesco e mais ridículo
o governante, maior sensação de superioridade o eleitor tem
individualmente, mesmo que possa sofrer o peso da ira dele.
Outro
pesquisador, o brasileiro Muniz Sodré, analisou a influência da
programação televisiva no cinema, na literatura e na política e
concluiu que o grotesco pode ter função alienante, mas também uma
função crítica. Cabe a ti, meu maninho, meu irmão, decidir hoje,
nas urnas, qual o sentido da cerimônia de ‘coroação’ ocorrida
na Compensa há 13 anos. Acontecerá a queda da Bastilha neste seis
de agosto de 2017?
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