terça-feira, 11 de agosto de 2015

Olhares

* Por Eduardo Oliveira Freire

Os olhos cor de mel percorrem a cidade antiga. O marido participava de uma conferência na universidade próxima.

Ela estava no pequeno café, escrevia, no minúsculo bloco de papel, fragmentos de sensações, imagens e idéias. "Ernesto convidou-me para a conferência. Não quis ir. Prefiro passear e procurar inspiração. Gosto de viajar; fico aberta às novas experiências. G., meu amigo querido, enviou-me um e-mail para saber as novidades. Ele adora quando viajo. Diz que faço livros “maravilhosos” e que sou uma grande escritora. Ora, só observo a existência do mundo".
 
Olhava um jovem casal com a filhinha. Ela estava sobre os ombros do pai. A mãe ao lado segurava a mão do marido. A garota possuía olhos atrevidos. "Os pais representam para a filha que são felizes. Desde criança aprende-se a dissimular. Mas, apesar de amá-los, ela não almeja ser como eles. Quer viver cores fortes e não a vida apagada dos pais. No seu inconsciente vai registrando tudo, até possuir a capacidade de estruturar o pensamento".
 
Começou a prestar atenção numa estátua que ficava no meio da praça. Um homem parece olhá-la com amor e cólera. “Tempos idos, uma camponesa muito bonita despertou interesse do príncipe. Só que ela não aceitou o seu amor. Ferido, procurou uma bruxa, que lançou um feitiço: transformou a rapariga em estátua. O príncipe, não satisfeito, pediu para a feiticeira um antídoto; deseja viver eternamente para contemplar a sua amada”.

Grupo de turistas com roupas coloridas. Viam as vitrines das lojas. "Não entendem nada de arte. Aposto que há pilantras a seguir os passos dessa gente coitada e ignorante, prontos para darem o bote. A arquitetura do lugar é tão divina e esse povo estraga a estética da cidade".

Reparou a moça perdida e triste, que olhava as pessoas comendo. "... esperança a levou viajar para lugares desconhecidos. Deverá ter muito cuidado para não ser tragada por essa terra estrangeira".
 
Homem bem vestido à sua frente. Olhava a rua com seus olhos verdes e antigos. Ele sempre a seguia. "Vou embora".
 
***

21/ 05

Meu marido me chama de bruxa. Diz que quando falo, acontece. Às vezes, sinto que tem medo de mim.

12/06
Sempre que vou dormir, escuto uma cantiga em dialeto estranho. Vejo-me dançando ao redor da fogueira. Não estou só, há outras mulheres. De repente, o homem dos olhos verdes do café aparece. É um guerreiro. Saio correndo, mas não o temo.

14/06
Ernesto voltou. Apreensiva, digo para irmos embora. Concordou, respeitava meus pressentimentos.

17/06
Talvez, o homem dos olhos verdes sempre tenha me seguido nas diversas épocas em que vivi. Quem sabe um dia esteja pronta para ele. Enquanto isso, quero viver e conhecer plenamente.

20/07
Tempos imemoriais; sensuais Deuses ora como nós ora como bestas. Cruéis e Bondosos, dependendo de seus desejos.

Atmosfera densa; sabores vivos, aromas que nos levam a sentir diversas sensações; lembranças que sempre aparecem através de sonhos. Quem sabe, um dia, consigo colocá-los no papel e fazer um bom livro.

G. irá adorar.

* Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, está cursando Pós Graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e é aspirante a escritor

Um comentário:

  1. Fragmentos da observação de pessoas, e suposições interessantes e possíveis.

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