Olhares
* Por Eduardo Oliveira Freire
Os olhos cor de mel percorrem a cidade
antiga. O marido participava de uma conferência na universidade próxima.
Ela estava no pequeno café, escrevia, no minúsculo bloco de papel, fragmentos de sensações, imagens e idéias. "Ernesto convidou-me para a conferência. Não quis ir. Prefiro passear e procurar inspiração. Gosto de viajar; fico aberta às novas experiências. G., meu amigo querido, enviou-me um e-mail para saber as novidades. Ele adora quando viajo. Diz que faço livros “maravilhosos” e que sou uma grande escritora. Ora, só observo a existência do mundo".
Olhava um jovem casal com a filhinha. Ela estava sobre os ombros do pai. A mãe ao lado segurava a mão do marido. A garota possuía olhos atrevidos. "Os pais representam para a filha que são felizes. Desde criança aprende-se a dissimular. Mas, apesar de amá-los, ela não almeja ser como eles. Quer viver cores fortes e não a vida apagada dos pais. No seu inconsciente vai registrando tudo, até possuir a capacidade de estruturar o pensamento".
Começou a prestar atenção numa estátua que ficava no meio da praça. Um homem parece olhá-la com amor e cólera. “Tempos idos, uma camponesa muito bonita despertou interesse do príncipe. Só que ela não aceitou o seu amor. Ferido, procurou uma bruxa, que lançou um feitiço: transformou a rapariga
Grupo de turistas com roupas coloridas. Viam as vitrines das lojas. "Não entendem nada de arte. Aposto que há pilantras a seguir os passos dessa gente coitada e ignorante, prontos para darem o bote. A arquitetura do lugar é tão divina e esse povo estraga a estética da cidade".
Reparou a moça perdida e triste, que olhava as pessoas comendo. "... esperança a levou viajar para lugares desconhecidos. Deverá ter muito cuidado para não ser tragada por essa terra estrangeira".
Homem bem vestido à sua frente. Olhava a rua com seus olhos verdes e antigos. Ele sempre a seguia. "Vou embora".
***
21/ 05
Meu marido me chama de bruxa. Diz que
quando falo, acontece. Às vezes, sinto que tem medo de mim.
12/06
Sempre que vou dormir, escuto uma cantiga em dialeto estranho. Vejo-me dançando ao redor da fogueira. Não estou só, há outras mulheres. De repente, o homem dos olhos verdes do café aparece. É um guerreiro. Saio correndo, mas não o temo.
14/06
Ernesto voltou. Apreensiva, digo para irmos embora. Concordou, respeitava meus pressentimentos.
17/06
Talvez, o homem dos olhos verdes sempre tenha me seguido nas diversas épocas em que vivi. Quem sabe um dia esteja pronta para ele. Enquanto isso, quero viver e conhecer plenamente.
20/07
Tempos imemoriais; sensuais Deuses ora como nós ora como bestas. Cruéis e Bondosos, dependendo de seus desejos.
Atmosfera densa; sabores vivos, aromas que nos levam a sentir diversas sensações; lembranças que sempre aparecem através de sonhos. Quem sabe, um dia, consigo colocá-los no papel e fazer um bom livro.
G. irá adorar.
*
Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais
pela Universidade Federal Fluminense, está cursando Pós Graduação em Jornalismo Cultural
na Estácio de Sá e é aspirante a escritor
Fragmentos da observação de pessoas, e suposições interessantes e possíveis.
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