A fascinante Sherazade das mil e uma
histórias
A bela, fascinante, sedutora (e todos os adjetivos positivos
que o leitor possa imaginar) Sherazade, protagonista central dos quase vinte
volumes de “As mil e uma noites”, é, sem a mais remota dúvida, uma das
personagens femininas mais inesquecíveis da literatura mundial. Claro, para os
que tiveram o privilégio de ler essa obra monumental, a que poucos,
pouquíssimos, convenhamos, tiveram acesso. Mesmo quem não leu essa coletânea,
todavia, cujos autores são rigorosamente desconhecidos, certamente já ouviu, ou
leu em algum lugar, muitas das histórias que a astuta princesa narrou, ao longo
de mil e uma noites, ao truculento e ciumento rei, ao qual teve que entreter
para salvar a vida.
Quem não conhece, por exemplo, o conto “Aladim e a lâmpada
maravilhosa”, mesmo que seja através de quadrinhos, ou de desenho animado no
cinema e, principalmente na TV? Só mesmo quem não teve infância. Não dá para
citar, aqui, “todas” as narrativas feitas pela esperta Sherazade, já que estas
são, como o título da coletânea define, mil e uma. Mas entre elas muitas e
muitas, como “Ali Babá e os quarenta ladrões”, “Simbad, o marujo” e outras
tantas, são clássicos universais do gênero. Diferem das narrativas de Hans
Christian Andersen ou dos irmãos Grimm, apenas num aspecto: desconhecem-se seus
autores. Presume-se que sejam muitos, embora seja impossível de sequer estimar
quantos, e muito menos quais.
E qual a participação de Sherazade nisso tudo? É
fundamental. Ela é a narradora dessas mil e uma histórias para distrair o rei e
demovê-lo da intenção de executá-la. Dá-se a entender que todos esses contos
eram invenções suas, saídas de sua fértil imaginação. Portanto, só mesmo um
sujeito totalmente alienado, ou o distraído dos distraídos, ou sumamente
bronco, mas que logicamente tenha lido toda a coletânea, conseguiria, ou
consegue se esquecer de Sherazade. Ela é absolutamente INESQUECÍVEL!! Para
entender o motivo da bela princesa narrar tanta história, é necessário
conhecer, pelo menos (mesmo que superficialmente) o contexto. Vamos, pois
(hiper-resumidamente) a ele:
“Conta a lenda que na antiga Pérsia o Rei Shariar descobriu
ter sido traído pela esposa, que tinha um servo como amante. Enfurecido, mandou
matar os dois. Depois, tomou terrível decisão: todas as noites, casar-se-ia com
uma nova mulher e, na manhã seguinte, ordenaria sua execução, para não mais ser
traído. E assim foi por três anos, causando medo e lamentações em todo o reino.
Um dia, a filha mais velha do primeiro-ministro, a bela e astuta Sherazade,
disse ao pai que tinha um plano para acabar com aquela barbaridade. Porém, para
aplicá-lo, precisava casar-se com o rei. O pai tentou convencer a filha a
desistir da idéia. Sherazade, contudo, estava decidida a acabar de vez com a
maldição que aterrorizava a cidade. E assim aconteceu, Casou-se com o Rei”.
Bem, pela lógica, deveria ser executada na manhã seguinte.
Idealizou, porém, uma estratégia que poderia ou não dar certo. A pretexto de
que sua irmãzinha caçula não conseguia dormir se não ouvindo uma história,
pôs-se a narrar uma delas. Sua narrativa era tão bem feita, que era impossível
não lhe prestar atenção. E o rei, à sua revelia, quase que sem perceber, ficou
atentíssimo ao que a bela esposa narrava. Só que, ao chegar ao clímax da
história, ela a interrompia. E dormia. Para não perder o final, o rei adiava,
por mais um dia, a execução. À noite, Sherazade concluía a narrativa
interrompida na noite anterior e iniciava uma nova, mas também interrompendo,
como antes, no desfecho dela. Assim fez por mil e uma noites, sem que o rei
perdesse em momento algum o interesse e, por isso, fosse adiando e adiando e
adiando a execução.
Ao cabo de quase três anos, ou seja, de mil e um dias (ou
noites, como queiram), Sherazade, finalmente, disse ao marido que não tinha
mais nenhuma história a contar e que estava pronta para ser executada. Sua
narrativa havia sido tão atrativa e eletrizante, que o rei nem percebeu que
nesse período todo fez três filhos na bela esposa (vá ser distraído assim
na...). E que a irmãzinha caçula de Sherazade havia se transformado em
belíssima mulher. Esqueceu-se, pois, da traição da mulher anterior e de sua
determinação de casar-se a cada noite com uma nova fêmea para executá-la na
manhã seguinte para vingar a afronta que havia sofrido. Ficou, para sempre, com
a espertíssima Sherazade. De quebra, promoveu o casamento da irmã dela com seu
próprio irmão.
Quem dera que tivéssemos mesmo que parcela ínfima do
magnífico talento narrativo da bela princesa persa! Nossos livros venderiam aos
milhares, aos milhões, aos borbotões. Conquistaríamos lugar cativo no coração e
na mente dos leitores. Seríamos quase imbatíveis na arte de narrar. Para tanto,
contudo, teríamos que contar com a maior virtude literária, a mais difícil e
rara de todas, que Sherazade tinha de sobejo: a da simplicidade da linguagem,
sem descambar para o simplório e sem violar a mínima regra do idioma. Há, paciente
leitor, como contestar, que essa bela e astuta mulher é – mesmo se
desconhecendo seu real criador – personagem feminina absolutamente
inesquecível?! Como esquecê-la, se ela emergiu da sabedoria do povo e
sobreviveu a inúmeras gerações?! Sim, como?!!!
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Eu não a esquecerei.
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