Invisível
* Por
Pontes de Miranda
Quando duas vezes
cem vezes,
mirando o Sol,
andar, em torno, a Terra,
a Terra
em que nós dois habitamos,
Eu, hoje, neste dia esplendente que passa,
que passa
para não mais volver,
e Tu,
na desconhecida manhã de um dia de sol futuro,
- Tu, talvez, me lerás.
Lerás
o que escrevi com os meus dedos
passageiros,
mas firmes,
no pouco de tempo que vivi,
que vivi,
a pensar e a sentir.
Será velho, amarelecido das idades,
este novo papel cor de pérola, que eu acaricio
com a minha pobre mão
intelectual e lasciva,
com a minha pobre mão,
signo de uma alma propiciatória,
que já hoje parece, como, então, te parecerá,
ter morrido há séculos
e
em séculos
futuros
ter vivido.
O meu tempo, que eu vi,
que vivi,
que perpassou em mim,
e me nutriu,
enganou-se em pensar
que vivia comigo.
Com o meu corpo, sim.
Com a minha alma, não. Minha alma é solta,
freqüenta
e bebe
em todos os festins
da Eternidade.
(Eu sou a sombra sonâmbula que segue,
seguida de outras sombras
que eu sensibilizo...)
Na ignota manhã da segunda centúria.
Tu lerás
a frase misteriosa que escrevi,
compreenderás,
- e beijarás,
com a tua alma,
os meus dedos
invisíveis.
·
Jurista
e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras.
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