Zé
da Carminha responde a Chico Bernardino
* Por
Adriano Spínola
cumpadre
Bernardino
minha
vida é bem outra:
já
não venho do sertão
mas
de outros sumidouros
daqui
mesmo da cidade
por
onde passou meu corpo:
nas
favelas em que morei
como
quem veste uma roupa
roupa
suja emprestada
(pois
a terra era dos outros)
roupa
de taipa apertada
quase
pregada nos couros
e
foi trocando tal roupa
que
vim parar onde estou
morando
neste quarto buraco
como
quem no barro se abotoa
por
isso cedo aprendi
a
viver como quem pousa:
hoje
no pó duma lagoa
amanhã
nas costas dum morro
não
por mim essa andança
(pois
sempre mudei à força)
mas
pelos donos da cidade
que
nos enxotam feito moscas
cumpadre
Bernardino
deixe
dizer-lhe outra coisa:
um
homem bem que se perde
no
próprio chão que povoa
basta
viver agoniado
com
a miséria em seu trono
pelejando
à beira-vida
o
dia que finda reimoso
por
passar por tantas mudas
aprendi
mais uma coisa:
a
casa de cada homem
começa
no próprio corpo
que
se estende nos filhos
na
mulher e nas coisas
que
ele coloca ao redor
prá
se sentir mais duradouro
porém
aqui nesta favela
(bem
como em qualquer outra)
a
vida fere com seus cacos
pois
nunca mostra seu todo
morando
assim desse jeito
onde
tudo é raso e pouco
um
homem pode sentir-se
menos
vivo do que morto
*
Poeta
cearense.
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