quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Quando a lei aborrece para al[ém do razoável - Mara Narciso


Quando a lei aborrece para além do razoável

* Por Mara Narciso
 
Sob a justificativa de preservar a saúde de quem frequenta um consultório médico, as normas da Vigilância Sanitária criam um clima de terror, com visitas surpresa e má vontade, quando não, aparente perseguição. Com a crise hídrica, banheiros públicos fétidos, higiene precária e comidas causando vômito e diarreia, os fiscais se aferram em detalhes inúteis onde não está acontecendo nada anormal. Não desconheço que a prevenção seja o melhor remédio.
 
O meu consultório de Endocrinologia atende, em sua maioria, casos de obesidade, diabetes e problemas de tireoide, portanto, doenças não contagiosas. Lá não é feito nenhum procedimento que não seja a consulta clínica. Ainda assim, demorei um ano para atender às inacreditáveis solicitações, pois as leis e exigências sofrem acréscimos a cada semestre.
 
O prédio está em uso há mais de 20 anos. O projeto arquitetônico foi aprovado pela Prefeitura na época da instalação. A Vigilância Sanitária solicitou nova aprovação do projeto. O arquiteto fez a visita, pegou a planta aprovada, viu que não tinha nenhuma modificação, tirou uma cópia, e paguei R$155,81 para a Prefeitura. Custo da “nova planta”? R$500,00 para o arquiteto, além de R$81,53 do CREA - Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Total gasto por um capricho inútil: R$737,34. O ar condicionado comprado seis meses antes, quase virgem, recebeu a ordem para ser aberto e “limpo”. Resultado: não mais resfria como antes. Foi feito o pagamento de R$120,00. Estes foram os itens que mais me irritaram.
 
O INMETRO recebeu R$99,36 para aferir a balança comum, graduada a cada 100 g, aferida há 12 meses. A troca anual do carvão ativado do filtro foi R$140,00. Separada há 11 anos, tive de pagar R$22,74 para atualizar meu sobrenome no cadastro municipal, item não existente nos anos anteriores, mas já grafado atualizado por diversos anos. Também paguei R$23,07 ao cartório por algo que levou o nome de “Certidão de Inteiro Teor”, mais o novo Alvará Sanitário de R$341,70.
 
A mesa de exame deve ser coberta por papel descartável ou lençol, trocado a cada uso, e explicitado o modo como é lavado. Desde a construção do edifício havia um ralo sem tampa. Foi cobrada a troca desse ralo por outro tampado. Eram guardados no armário sob a pia, produtos de limpeza de um lado e café, açúcar e copos descartáveis do outro. Foi preciso separar os materiais, que não se tocavam, em dois armários distintos.
 
A secretária não pode ter acesso à ficha nem aos exames do paciente. Também está vetada de fazer qualquer pergunta referente ao motivo da visita. A cada seis meses a caixa d’água do prédio é higienizada, o Corpo de Bombeiros faz vistoria e também ocorre a dedetização. É preciso elaborar relatório explicitando como se faz a limpeza dos móveis, do chão e do banheiro, com detalhes de materiais, vestimenta, luva, bota e horário. A coleta do lixo, mesmo que só de papel e copo descartável, é um ritual digno de uma guerra.
 
A outra guerra são os remédios amostra grátis. Precisam estar num armário fechado à chave, e a secretária não pode ter acesso a eles. Não se podem juntar comprimidos de duas caixas de origem, e quando vencem devem ser descartados por empresa especializada contratada. É necessária uma lista com o nome, lote e tempo de validade. Quantos médicos tomam conta pessoalmente das suas amostras, quando muitas consultas não demoram quinze minutos?
 
Os intermináveis tributos cobrados, antigos e novos, fazem a soma elevar-se ao impossível, coisa de arrecadação predatória. Sem falar nas cobranças de ISS – Imposto Sobre Serviço, CRM – Conselho Regional de Medicina, Sindicato, Associações e demais taxas pessoais. Quem paga uma consulta médica e acha um absurdo - e é mesmo- precisa conhecer os aborrecimentos e os custos de um alvará de funcionamento, sem contar o ar de polícia que os fiscais adquirem. Alguns são arrogantes (alguns profissionais também são), e já teve conversa que acabou na delegacia. Médico precisa trabalhar e o dinheiro que entra, não entra fácil, embora pareça que sim.


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”


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