Ideais antagônicos
O russo
Vladimir Vladimirovich Maiakovski, nascido em 1893, foi um poeta
essencialmente político, engajado diretamente na Revolução
Bolchevique de 1917. Depois desse movimento, tentou criar “uma arte
que poderá tirar a República do lodo”, conforme escreveu. Líder,
na União Soviética, do “Futurismo”, com experiências dadaístas
em alguns dos seus trabalhos, é fácil, no entanto, de se detectar,
em toda a sua obra, a influência de Marinetti.
Além
de poesia, dedicou-se ao teatro. Seus poemas mais famosos são:
“Cento e cinquenta milhões” e “Uma nuvem de calças”. As
duas peças teatrais mais conhecidas de Maiakovski são: “O
Percevejo” e “O Balneário”, que, no entanto, não são muito
divulgadas no Ocidente.
Durante
muito tempo, o artista viveu profundo conflito íntimo, em razão do
seu extremado idealismo, que se chocava com a fria realidade ao seu
redor. Tinha a firme convicção de que a arte e a política eram
como óleo e água. Isto é, que não podiam se misturar jamais
(embora ele as misturasse). Porque, contraditoriamente, a sua poesia
estava eivada de dialética marxista, contrariando, na prática,
aquilo em que acreditava.
Maiakovski
cantou o poder da coletividade preponderando sobre o individual. Foi,
além disso, crítico feroz, impiedoso e mordaz dos que considerava
inimigos da Revolução, satirizando e ridicularizando os
adversários, em versos crus e quase escatológicos. Como estes, por
exemplo, que intitulou “Hino ao Crítico”:
“Da
paixão de um cocheiro e de uma lavadeira
tagarela,
nasceu um rebento raquítico.
Filho
não é bagulho, não se atira na lixeira.
A
mãe chorou e o batizou: crítico”.
Na
maioria dos seus poemas, o escritor utilizou imagens grotescas e
linguagem rude, como a falada pelo povo nas ruas, nas fábricas e nas
tabernas, além de associações de ideias e de situações
surpreendentes e inesperadas. Chegou a adotar, em certa fase da sua
produção artística, aquilo que hoje é classificado como
“poesia-propaganda”. Mas, no íntimo, Maiakovski não estava nada
satisfeito com seu desempenho. Não era isso o que entendia como
sendo poesia. Achava, sem ousar revelar em público, que o marxismo
estava arruinando a qualidade daquilo que escrevia.
Outra
amostra da sua poesia áspera, rude, cheia de arestas, temperada com
certa dose de ternura e de lirismo, numa estranha e original mistura,
são estes versos:
“Cada
um ao nascer
traz
sua dose de amor,
mas
os empregos,
o
dinheiro,
tudo
isso,
nos
resseca o solo do coração.
Sobre
o coração levamos o corpo,
sobre
o corpo a camisa,
mas
isto é pouco.
Alguém
imbecilmente
inventou
os punhos
e
sobre os peitos
fez
correr o amido de engomar.
Quando
velhos se arrependem,
a
mulher se pinta,
o
homem faz ginástica
pelo
sistema Müller.
Mas
é tarde.
O
amor floresce,
floresce,
e
depois desfolha”.
Como
se propôs a iniciar um novo movimento nas letras russas, passou a
receber duras críticas de inúmeros adversários literários dentro
do Partido Comunista. Angustiado por esses antagonismos pessoais,
revelados aos amigos e pelos ataques dos intelectuais marxistas da
União Soviética de então, Vladimir Maiakovski não resistiu a
tamanha pressão.
O
poeta suicidou-se, com um tiro de revólver, em 1930, em plena
efervescência revolucionária, no período em que estavam em
andamento os chamados “Processos de Moscou”, comandados por
Joseph Stalin, que resultaram no expurgo, e consequente execução,
de revolucionários de primeira hora, vítimas da paranoia e da sede
de poder do ditador.
Em
um poema, muito anterior ao suicídio, Maiakovski escreveu estes
versos até proféticos: “Que a tesoura e a navalha revelem as cãs
e/que a prata dos anos tinja sem perdão./Penso/e espero que eu
jamais alcance/a impudente idade do bom senso”. Não atingiu. Deu
cabo da vida antes disso, aos 37 anos de idade, no auge da sua
capacidade criativa.
Como
bilhete de despedida, o poeta deixou apenas uma linha, nada mais, na
qual não explicava a razão do seu gesto desesperado e que se
constituía somente num seco e conciso conselho a quem eventualmente
estivesse pensando em imitá-lo: “Não recomendo a mesma coisa para
os outros” (referindo-se à fuga prematura da vida, contrariando,
principalmente, o espírito de luta que tanto pregava).
Bóris
Pasternak –, mais tarde agraciado com o Prêmio Nobel de
Literatura, pelo seu romance “Dr. Jivago” –, assim se referiu
ao ato desesperado do poeta: “Parece-me que Maiakovski se matou por
puro orgulho, porque condenava algo em si ou perto de si, a que seu
amor próprio não podia se submeter”. Ou seja, o poeta morreu de
presunção.
Boa
leitura!
O
Editor.
Muitos poetas cometem suicídio, como nos mostrou Edir Araújo em A Passagem dos Cometas.
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