Capitalismo
(uma fábula)
* Por
Hilton Görresen
O
sujeito vivia modestamente, em contato com a natureza (de forma
limitada, é claro, visto que o melhor da natureza é privilégio dos
ricos). Às vezes, para se distrair, fabricava um objeto, cuja
matéria prima ia buscar no fundo da floresta, de uma árvore que só
ele conhecia, a alevia
bundiforme.
Deu à sua fabricação um nome esquisito: “malotrincho” que, no
antigo dialeto norático, significava “que não serve para nada”.
O malotrincho possuía forma indescritível, razão pela qual estou
impossibilitado de descrevê-lo.
O
que mudou tudo, como acontece nos filmes e novelas, foi uma mulher.
Uma mulher bonita, como nos filmes e novelas. Tinha cabelos mais
negros do que a asa da graúna e lábios doces como gotas de
aspartame. Só não tinha um talhe de palmeira por ter sido abençoada
com deliciosas curvas e reentrâncias.
O
homem rico (e meio coroa) queria para si a mulher bonita, ofereceu de
tudo. Mas a mulher não desejava ser modelo, nem atriz de novela, por
isso dispensou a proteção do homem rico. Gostava mesmo era do
sujeito pobre.
– O
que ele tem que eu não tenho? –dizia furioso o homem.
– Você
não sabe fabricar malotrincho!
– Malotrincho?
Que diabo é isso?
A
mulher explicou pacientemente: malotrincho era algo inexplicável,
entendeu?
– Não
entendi, mas não interessa. Não sei fabricar, mas posso comprar. É
isso, vou comprar toda porra de merdotrincho que ele fizer, você vai
ver! – exclamou o homem num rompante de arrogância.
No
outro dia, mandou seu secretário com o advogado sondar o sujeito.
Tanto fizeram que conseguiram celebrar um contrato de compra
exclusiva de malotrinchos. Toda produção seria comprada. Fizesse um
milhão de objetos, tava com o dinheiro na mão.
O
sujeito, surpreendido, não acreditou muito, mesmo assim viu que toda
semana o secretário ia lá, contava os objetos produzidos, entregava
um cheque e os levava embora. Pomba, que negócio bom, pensou.
Começou, então, a dobrar, triplicar sua produção. O homem rico
comprava tudo sem pestanejar.
O
fabricante já nem tinha tempo para se alimentar, suas horas de sono
eram mínimas; assim, sua capacidade de trabalho chegou ao limite.
Teve, então, a ideia de contratar o trabalho de outras pessoas. Aos
poucos, sua humilde casa transformou-se em oficina, virou uma
colmeia, com o movimento constante e barulhento dos malotrincheiros:
uns saiam para colher matéria-prima (colocaram abaixo a floresta
de alevias
bundiformes.);
outros aqueciam o material em grandes fornos; uma equipe dava forma
ao objeto e outra procedia aos retoques finais. O fabricante havia
descoberto que assim a produção tornava-se maior, o que significava
mais lucros em seu bolso. Só que, para disfarçar, deu a isso o nome
de racionalização do trabalho.
Para
controlar a produção, bem como as receitas e despesas, foi
necessário contratar outras pessoas, que nada produziam, mas
garantiam o funcionamento de todo o sistema. A burocracia, um mal
necessário, dizia. Com isso, naturalmente, o preço do malotrincho
teve de sofrer um pequeno reajuste.
O
homem rico achava-se já com um enorme galpão atulhado de
malotrinchos. E a cada dia chegavam mais. O que fazer com
tantas bugigangas?
Já
estava arrependido do negócio, nenhuma mulher, mesmo tendo os
cabelos mais negros, etc.,etc., valia tanto assim. Seus
representantes tinham arbitrado uma multa astronômica para a parte
que rompesse o contrato. Consultou, então, o homem de propaganda,
que lhe garantiu dar um jeito na situação.
– Que
jeito?
– Vendendo
tudo, uai!
– E
quem vai querer comprar esta m... de objeto que não serve para nada?
Então
o homem de propaganda iniciou uma campanha associando a imagem do
malotrincho às coisas mais agradáveis: mulheres, carros, saúde,
lindas paisagens, altos salários...”Venha ao paraíso de
malotrincho”.
Depois
de um tempo (e alguma grana aplicada), o malotrincho tornou-se o
objeto mais necessário do mundo. Homens, mulheres, crianças, todos
sentiam-se frustrados se não possuíssem o seu. E o preço de venda
tornou-se uma fábula. Os empregados do fabricante, aproveitando o
desconto de 2% que lhes era facultado, comprometiam o ordenado para
adquirir o sagrado objeto que eles próprios, vejam só, produziam em
poucos minutos.
E
assim o fabricante de malotrinchos ficou rico; o homem rico, mais
rico ainda e os consumidores satisfeitos. E a mulher bonita?
Acabou fugindo com um marinheiro jamaicano que bebia pra caramba. O
que se precisa mais para um final feliz?
*
Escritor catarinense, autor de seis livros: cinco de crônicas e um
de memórias
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