segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Versões do poeta sobre o começo e o fim


A primeira vertente temática, das cinco de que o poeta catarinense Harry Wiese se vale, em seu livro “IbirAMARes e outros poemas” (Editora Nova Letra) é intitulada pelo autor de Existência. Contém  15 composições alusivas ao tema. Nelas, cada fase da vida é apenas sugerida, em uma linguagem figurada, de imensa força poética, ficando, apenas, implícita, Esse é o encanto da poesia. Afinal, como afirmou o poeta francês Paul Claudel, “O poema não é feito dessas letras que eu espeto como pregos, mas do branco que fica no papel”. Ou seja, mais sugere do que explicita. Cada conclusão fica por conta do leitor. Mas para que isso ocorra é indispensável que este “sinta” o poema e o interprete com base nesse sentimento. Nesse aspecto, Harry Wiese revela-se magnífico mestre.

Tal como a vida (obviamente) começa com o nascimento, essa vertente temática do livro é aberta com o poema “Gênese”. Nele – como, ademais, em todas as 49 composições de “IbirAMARes” – abundam metáforas. Não aquelas óbvias, das que vemos, usualmente, em versos de poetas de parca, ou nenhuma sensibilidade e zero de originalidade. São figuras de linguagem originais, inteligentes, surpreendentes até e, claro, pertinentes. Como esta: “mundo de limites quebradiços”. Ou esta: “vivi ingênuo de sonhos”. Ou esta outra: “vi flores silvestres com cheiro de mel”. E vai por aí afora.

Essa abundância de metáforas faz todo sentido. Afinal, como escreveu o poeta alemão Johann Wolfgang Goethe, “todas as coisas são metáforas”. Algumas (certamente a maioria), são grosseiras, não raro escatológicas, nuas e cruas e nem um pouco poéticas. Não é o caso, porém, das empregadas por Harry Wiese. Estas são, reitero, inteligentes, sensíveis, e, sobretudo, surpreendentes, pela originalidade. Embora o poeta confesse, na apresentação do seu livro, que sua poesia é “repleta de melancolia, pessimismo, ironias, críticas e enlevo”, essa postura não a inviabiliza e nem a torna menos importante. Muito pelo contrário. Valoriza-a. Afinal, a vida, apesar de se constituir de magnífico privilégio, é toda feita mais de dores, perigos e incertezas, do que de alegrias e de felicidade. E o poeta é o porta-voz dessas nossas angústias.

Concordo com Pablo Neruda quando constata que  “a poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem”. Tem mesmo. Porém, é o único gênero literário que consegue ser, ao mesmo tempo, Literatura e arte. Sem deixar de expressar o real, avança no campo da “transrrealidade”, da idealização e, de certa forma, da sublimação de nossas dores, decepções e desgostos, amenizando-os. A propósito das figuras de linguagem, instrumento tão a gosto dos poetas, colhi, no romance “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera, esta curiosa advertência: “As metáforas são muito perigosas. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora”. Confesso que nunca tinha pensado nisso.

A primeira vertente temática do livro “IbirAMARes”, “Existência”, que começa com o poema “Gênese”, ou seja, relativo ao nascimento, só poderia terminar, como seria lógico de se supor, com seu oposto, ou seja, com o fim, a “inexistência”, a morte (também não explicitada, mas somente sugerida). Confira como Harry Wiese se refere a essa fatalidade biológica ao se dirigir a uma “extinta” amada:

Toque de melancolia

“Há mistérios tantos em volta de ti
E em todas as coisas do mundo
Que são mistérios todos os teus mistérios.

Por que te apreciar se não mais existes,
Se tuas faces são rugas malditas
E se de ti se afastaram os cavalheiros sensuais?

Como me conformar, indago a mim
E aos poucos transeuntes noturnos,
Na estrada solitária
Que vai ao além dos grandes continentes?

Mesmo assim,
Espero o momento de rever-te
E envolver-me em mistérios e esperanças,
Num lugar de fascinação total
Para entender-te como se entendem
Os sinais das nuvens
Que se vão com o vento de outono”.

Boa leitura.

O Editor.

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