quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Um caso de amor – Parte IV


* Por Pedro J. Bondaczuk


(CONTINUAÇÃO)

X

Subitamente, o mundo desmoronou sobre a cabeça de Theobaldo. Um simples telefonema pôs fim aos seus sonhos, projetos e ambições. Tudo o que havia feito, com tamanho sacrifício, nos últimos meses, perdeu de repente a importância e o sentido. O acaso, o frio e insensível acaso encarregou-se de pôr um ponto final em um maravilhoso caso de amor. O fato ocorreu em um sábado cinzento e gelado, em que São Paulo mais do que merecia a designação de “terra da garoa”.

Theobaldo estava revendo o novo capítulo que havia escrito na madrugada e que pretendia mostrar, logo mais, à tarde, a Val, que prometera dar uma passadinha em sua casa, como, aliás, fazia em todos os finais de semana. Subitamente, o telefone tocou. O escritor teve um sobressalto e, sem saber explicar, teve premonição de que receberia alguma notícia nada agradável. Antes de atender, tentou imaginar o que poderia ser. “Val, provavelmente, não poderá vir hoje”, arriscou um palpite. Pudera, com a correria dos preparativos do casamento, previsto para o próximo mês – portanto, em mais três semanas – a pobrezinha não tinha mais tempo para nada.

“Seu Theobaldo, aqui quem fala é Letícia, companheira de apartamento de Valquíria”, disse, do outro lado da linha, uma voz tensa e chorosa, tão logo Theo atendeu o telefone. O escritor arrepiou-se da cabeça aos pés. Aquele tom, por si só, já prenunciava má notícia, quem sabe, até, uma tragédia. A interlocutora fez uma longa pausa antes de prosseguir.

Os nervos de Theobaldo estavam tensos e ele suava frio. As mãos estavam trêmulas e a boca seca. “Será que Valquíria pediu à amiga para me comunicar o rompimento do compromisso? Não, não pode ser! Ainda ontem, quando nos despedimos, ela me disse, com tamanha doçura e carinho, que me amava! Não pode ser isso! Mas, e se fosse?”, conjeturou.

“Seu Theobaldo, não sei como lhe dizer, mas tenho péssima notícia a lhe transmitir”, disse a voz do outro lado da linha, entre vários soluços. “Diga, diga logo!”, gritou o escritor, impaciente e com a visão já turva pelo medo do que poderia ouvir. “Valquíria sofreu um acidente no centro da cidade. Foi atropelada por um carro em alta velocidade que trafegava na contramão”, disse, finalmente, Letícia.

“Como ela está? Para que hospital foi levada? Qual é o seu estado?”, indagou, aos gritos, atropelando as palavras, em desespero, aturdido, sem saber o que dizer ou fazer. Foi informado que Val fora levada, em estado grave, para o Hospital das Clínicas. “Ela vai resistir. Minha princesa é forte! Não é possível que a vida me apronte mais essa sacanagem!”, pensou Theobaldo, entre desesperado e esperançoso, já dentro do carro, que dirigia como um alucinado em direção do hospital. Mas o pior ainda estava por vir.
Esperava tudo na vida, menos isso. Foi informado que Valquíria não resistiu aos ferimentos recebidos e morreu ainda na ambulância, a caminho do pronto-socorro. E que a autópsia revelou que a moça estava grávida de três meses. Isso mesmo! Theobaldo perdera, num só golpe, duas pessoas que se propunha a amar enquanto vivesse.

Entrou em estado de choque. A dor que sentia era tão pungente, que fez com que procedesse como se nada houvesse acontecido. Não conseguia nem mesmo chorar. O pranto, nesse momento, certamente seria um alívio caído dos céus. Soluçava, urrava, xingava, se debatia, mas nenhuma lágrima rolava de seus olhos.

Tudo lhe parecia irreal: o trânsito, as pessoas, os prédios, o mundo e a vida. Tudo, nesse momento, lhe era agressivo, feio, caricato e mau. “Não é possível! Isto é um pesadelo, do qual logo irei acordar!”, pensava desesperado, sem conseguir assimilar por completo a realidade.

“Não pode ser verdade! Daqui a pouco Valquíria, a minha Valquíria, a minha princesa encantada vai chegar, com aquele seu sorriso maroto, me beijar e dizer que me ama!”, tentava se consolar. Não adiantava, contudo, tentar se iludir. Lá no fundo do cérebro uma realidade piscava, como frias luzes de néon, a dura verdade: Valquíria morreu, Valquíria morreu, Valquíria morreu. “O que será de mim, meu Deus do céu?!”, gritou, no auge do desespero.

Apesar dos pais da namorada quererem se encarregar do sepultamento, Theobaldo não deixou. Tomou todas as providências cabíveis e dispôs-se a assumir as despesas do enterro, que ocorreu no Cemitério Bom Pastor, no Morumbi. A cerimônia religiosa foi breve, mas tocante. Valquíria estava num caixão de luxo, o mais caro da funerária. Parecia dormir. Seus cabelos, bonitos e cheirosos, que cheiravam a canela e jasmim, estavam enfeitados com uma grinalda de flores brancas. Estava belíssima no caixão, vestida de branco, como uma garotinha no dia da Primeira Comunhão.

Cerca de vinte pessoas, apenas, estavam presentes no cemitério. Além dos pais da moça, compareceram ao sepultamento algumas colegas de faculdade e as amigas com as quais dividia o apartamento. O céu estava cinzento, prometendo chuva para qualquer momento.

Valquíria foi sepultada em uma cova cavada num extenso gramado, debaixo de uma frondosa árvore, com pássaros voando ao redor. Era bem o enterro que ela desejaria, ela que amava tanto a natureza e era uma ecologista ferrenha. Theobaldo não suportou ver o caixão baixar à sepultura. Virou as costas e caminhou sem rumo. Nem se lembrava onde estava e muito menos onde havia deixado seu carro.

Saiu caminhando, cabisbaixo, pelas ruas que circundavam o cemitério, tomado de uma angústia indescritível. Nem ele, acostumado a descrever todos os sentimentos possíveis de seu personagem, nem escritor algum do mundo conseguiriam transmitir em palavras o que sentia naquele dramático momento.

Subitamente, agachou-se. Sentia-se cansado, muito cansado, exausto, como se houvesse acabado de subir uma íngreme ladeira carregando uma tonelada de chumbo nas costas. Sentou-se na calçada, colocou a cabeça entre as mãos e prorrompeu num pranto amargo, copioso, sentido, em que a revolta contra tudo e contra todos se misturava à saudade e à profundíssima dor da perda. Uma estudante passou por ele e se deteve. “Moço, moço, precisa de ajuda?”, perguntou. “Não, não, estou bem”, respondeu mecanicamente, entre soluços.

Não saberia dizer quanto tempo ficou ali. Começou a chover. De início, era apenas uma garoa fininha e gelada, que foi aumentando de intensidade, até se transformar em copiosa chuva. Theobaldo, finalmente, ensopado e gelado, tornou a ficar de pé e foi caminhando, lentamente, em direção ao carro, que ficara no estacionamento do cemitério.

Dirigiu, ainda, durante horas, sem rumo ou direção, até quase acabar o combustível do  carro. Entrou num posto, abasteceu o veículo e dirigiu de volta para casa. Esta, agora, se lhe tornara mais sombria do que nunca, como se fosse uma masmorra sombria ou um túmulo infecto, sem a risada espontânea e gostosa de Valquíria e sem o eco mavioso de sua voz, que lhe parecia verdadeira canção dos anjos, mesmo quando se limitava a dizer tolices e que nunca mais, em tempo algum, tornaria a ouvir.

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XI


Theobaldo permaneceu prostrado por semanas. Não comia, não se banhava, não se barbeava e limitava-se a beber. Não água, evidentemente. Eram litros e mais litros de uísque consumidos nesses dias todos. Não saberia dizer quantos. Fumava, fumava e fumava bastante e aqueles seus charutos fedorentos de antes de conhecer Valquíria.

Escrever? Nem pensar! Mal se levantava da cama para fazer as necessidades fisiológicas. Não atendia a campainha e nem o telefone. Não queria ver ninguém. Não gostava de ninguém. Detestava o mundo e o cinismo dos pretensos amigos. A caixa postal de seu celular estava superlotada de mensagens, que ele nem se dava o trabalho de conferir.

Seu primeiro impulso foi o de se deixar morrer à míngua, para reencontrar Valquíria, quem sabe, em outro mundo em alguma outra dimensão alhures. Aos poucos, porém, foi retomando a vontade de viver. Lá um belo dia, olhando-se no espelho, concluiu que sua amada, estivesse onde estivesse, não deveria estar gostando nada, nada daquele velho que agora era só pele e osso, com os cabelos completamente grisalhos, com uma barba que lhe ia até o peito e que lhe dava o aspecto de um mendigo. Banhou-se, pois, meticulosamente, barbeou-se com esmero e a nova aparência animou-o.

Fez uma farta refeição, contratou uma faxineira para pôr um pouquinho de ordem no chiqueiro em que sua casa e, notadamente, seu gabinete de trabalho, se transformaram e, subitamente, num lampejo, decidiu que já era hora de voltar a trabalhar. Qual livro concluiria? Era óbvio que seria “Um caso de amor”. Além do texto já estar quase na metade, era o preferido de Valquíria. Faria dele uma obra-prima, em memória da amada.

Contudo, ao sentar-se junto ao computador, não lhe veio nenhuma idéia. Não conseguia escrever sequer uma palavra, quanto mais capítulos e mais capítulos. Subitamente, veio-lhe à mente um impulso que, a princípio, lhe pareceu incoerente e estapafúrdio, mas que, aos poucos, começou a ganhar corpo. “Que tal se eu usasse o meu diário e o adaptasse de forma tal que completasse o ‘Um caso de amor’?”, pensou. Do pensamento à ação, foi um pulo.

Claro que modificou a aparência e as características do principal personagem masculino. Em vez de ser baixinho, com profundas entradas, sem nada que lembrasse nem de longe um atleta, tornou-o alto, atlético, bonito, de cabelos ligeiramente grisalhos nas têmporas. Sem se dar conta, deu, ao seu herói, as características exatas do pai de Valquíria. Sua heroína, contudo, era a finada amada sem tirar e nem pôr. Claro que em seu enredo ela não morria. Separava-se, é verdade, do amante, mas para fazer um curso de artes em Florença, na Itália, com promessas de voltar um dia, de onde enviava e-mails e mais e-mails apaixonadíssimos e pungentes poemas de amor.

“Essa história não vai colar. É positiva demais. A vida não é assim!”, concluiu, ao acabar de escrever o romance. Seu primeiro impulso foi o de deletar o texto e começar tudo de novo. “Imagine, a crítica vai me arrebentar de pancada se publicar algo assim”. Passou dias sem pensar mais no assunto. As lembranças de Valquíria perseguiam-no incessantemente. Transformou seu gabinete de trabalho quase que num santuário. Havia fotos da amada espalhadas por toda a parte. A que achava ser a melhor, e era dificílimo escolher qual fosse já que Val era sumamente fotogênica, além de belíssima, mandou ampliar e fazer um pôster, que colocou numa moldura, cujo quadro pôs bem em frente à sua escrivaninha, para inspirá-lo. E inspirava.

Antes de se desfazer de uma vez por todas de “Um caso de amor”, resolveu dar a um especialista para ler e opinar. Contratou, para esse fim, o Geraldo, que fora o revisor de “Clarita” e que encontrava até pêlo em ovo. Punha defeito em absolutamente tudo e era um sujeito azedo e ranzinza, que não costumava ser gentil com os escritores, por mais nome que tivessem e mais bem-sucedidos que fossem, quando se tratava da qualidade de algum texto. Era de uma sinceridade absurda, completa, agressiva. Theobaldo queria, na verdade, um álibi para justificar ter se desfeito do romance, que certamente agradaria Valquíria.

Passados uns dias, Geraldo retornou à casa do escritor, com ar que pareceu taciturno a Theobaldo, com o calhamaço do romance debaixo do braço. Theo estava pronto para ouvir as críticas que tinha certeza que viriam e estava mais do que disposto a destruir aquele texto que, ademais, lhe era tão íntimo. Era uma história vivida, sofrida, dolorosa até, e não mera obra de ficção. Estava, sobretudo, arrependido de dá-la ao revisor para ler. Deveria tê-la destruído há tempos.

“E então, seu Geraldo”, perguntou, pronto para ouvir uma série de restrições ao seu texto. “Seu Theobaldo, vou ser sincero. O senhor me conhece há anos e sabe que nunca enganei ninguém. Às vezes sou até um tanto ríspido, já que escrever não é brincadeira de criança. Contudo, com toda a sinceridade, em mais de trinta anos de profissão, nunca li algo tão bom. Que livro! O senhor acertou na mosca!”, disse Geraldo, para surpresa e pasmo do escritor.

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XII


Após a avaliação positiva de Geraldo, Theobaldo levou, ainda, um tempão para se decidir a publicar o livro. À medida que o tempo passava, a saudade de Valquíria se multiplicava, doía, inquietava, era uma idéia fixa, uma tortura, uma obsessão. Onde quer que fosse, parecia vê-la, sorrindo, à distância. Fizesse o que fizesse, a lembrança dos momentos de amor e fantasia que tiveram não o largava em momento algum, nos bares, no cinema, no teatro, no estádio durante um jogo de futebol e assim por diante. Valquíria, Valquíria, Valquíria!, gritava seu coração, sem cessar.

Evitava, o máximo que podia, de ficar em casa. A alma da amada estava por toda a parte, em cada cômodo, em cada livro, em cada objeto que ela havia tocado, notadamente no gabinete de trabalho. Sentia-se adoentado, desanimado e envelhecido. Envelhecera, de fato, em semanas, mais do que nos últimos cinco ou seis anos.

Lá numa bela manhã de sol, em que acordou mais disposto do que em outros dias (sonhara com Valquiria, sonho que se tornara recorrente), assim, de repente, não saberia explicar a razão, decidiu, num impulso, que publicaria o livro. Onde? Não sabia. Tinha consciência de que estava “queimado” no mercado editorial. Chegou a cogitar em bancar a edição, mas esbarrou na questão da distribuição. Não, não era este o melhor caminho.

Faria o que todo escritor novato faz, quando acha que produziu uma obra-prima. Iria às editoras, quantas fosse necessário, bateria de porta em porta, com os originais debaixo do braço, até que algum editor se dispusesse a pelo menos ler seu romance. Se não gostasse, paciência. Venceria pelo cansaço.

Uma coisa se deve dizer a favor de Theobaldo: era determinado. Quando decidia alguma coisa, não havia quem o demovesse e o fizesse voltar atrás. E agora estava decidido a publicar o livro, custasse o que custasse. Devia isso a Valquíria, inspiradora e principal personagem desse romance. Era uma forma de tê-la, para sempre, consigo.

Theobaldo tentou vários contatos com Alípio, em vão. Deixava sucessivos recados na sua secretária eletrônica, mas este nunca retornava a ligação. As tentativas de ligar para o seu celular também não deram certo. Bem que Theobaldo insistiu. E não apenas uma vez, mas, sem nenhum exagero, pelo menos uma centena delas. Invariavelmente, todavia, sua chamada caia na caixa postal.

Foi à editora, tentar falar com Alípio, mas este não o recebeu. A secretária informou-o que o editor não estava, que havia viajado, mas o escritor sabia que era mentira. Vira o carro do editor no estacionamento. Essas tentativas duraram um mês inteiro. Theobaldo concluiu que dali não poderia esperar mais coisa alguma. Essa porta lhe estava definitivamente fechada. Pena.

Resolveu contatar outros editores. Em vão. Todos, invariavelmente, davam-lhe a mesmíssima resposta: “nossa programação deste ano já está completa”. E recusavam-se, gentilmente, a recebê-lo. Foram mais de dez tentativas, todas com igual resultado. Alguns, até, se dispunham a publicar o livro, desde que Theobaldo arcasse com as despesas.

Até que, depois de tanto insistir, encontrou quem se dispusesse a pelo menos recebê-lo. Claro que o escritor teve que insistir muito para que isso acontecesse. “Não quero uma definição, mas apenas que você leia o romance. Se não gostar, juro que nunca mais o incomodarei”, disse Theobaldo a Souza, dono de uma editora de porte médio, que se projetava no mercado graças a alguns recentes sucessos editoriais. Três dos seus lançamentos ocupavam posições de destaque na lista dos dez mais vendidos da revista Veja. Um deles, era de um escritor nacional, até então desconhecido. “Esse é o lugar certo”, intuiu o escritor.

Marcaram um encontro para dali a uma semana. No dia combinado, Theobaldo arrumou-se como um noivo para um casamento. Banhou-se, barbeou-se, vestiu seu melhor traje e até parecia aquele sujeito dos bons tempos do namoro com Valquíria, aprumado, olhos brilhantes, passos firmes e confiantes. Queria impressionar o interlocutor já a partir da aparência. Tinha que impressionar.

Foi recebido formalmente, até com uma certa reserva, para não dizer frieza, por Souza, que não escondia a impaciência de se livrar logo de um compromisso, digamos, indesejável. Apenas se dispôs a receber o escritor por causa da sua intuição, que até ali vinha se mostrando infalível. “Quem sabe?! Ninguém esquece de escrever se tiver mesmo talento”, foi o seu raciocínio. Tinha, todavia, mais dúvidas do que certezas.

Theobaldo passou-lhe os originais. O editor começou a ler, amuado, o calhamaço, certo de que interromperia a leitura lá pela página 30 ou menos. Já tinha, até, a resposta de recusa pronta na ponta da língua. Mas o tempo foi passando. Quinze minutos, vinte, meia hora se passaram, e Souza seguia lendo, concentrado, o texto. Sequer piscava. Estava totalmente abstraído, ou melhor, embevecido com o que lia. “Não é possível! O cara é muito bom”, cochichou aos seus botões.

Vez ou outra, balançava a cabeça, em sinal de aprovação. Quarenta minutos depois, chamou a secretária pelo interfone: “Dona Rosa, por favor, traga dois cafezinhos”. E mergulhou, de novo, na leitura, sem sequer se dar conta da presença do escritor, que caminhava pelo escritório, com as mãos cruzadas atrás das costas, à espera de alguma definição. A coisa estava demorando mais do que esperava.  “O que será que o Souza está achando? Por que demora tanto em me dar um esculacho?”, pensou, entre desanimado e esperançoso.

Ao chegar à derradeira página, o editor ficou, certo tempo, parado, olhando para o vazio, como que refletindo antes de tomar alguma importante decisão. Não disse nada a Theobaldo. Voltou, isso sim, a falar com a secretária pelo interfone: “Dona Rosa, por favor, prepare, com urgência, um contrato padrão. Mas tenho pressa! É pra já!”. Bingo! A sorte, para ambos, estava lançada.
  
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XIII

Tão logo Theobaldo saiu do escritório do editor, com a cópia do contrato devidamente assinada, Souza fez três ligações sucessivas, para os três críticos literários considerados os melhores do País, que trabalhavam para os três jornais de maior circulação nacional, dois de São Paulo e um do Rio de Janeiro. O teor da conversa foi o mesmíssimo nos três casos.

“Estou lhes enviando, por e-mail, os originais de um livro que vai ser o estouro editorial do ano. Tanto, que pretendo lançá-lo em, no máximo, quinze dias. Quero que você o leia, mas leia mesmo, com toda atenção e sem preconceito e emita sua opinião. Esteja certo que vou saber se leu de fato ou não. Lembre-se que você me deve esse favor. Não vá me decepcionar”, disse Souza, a cada um deles.

Os três receberam a mensagem, estranhamente, da mesma forma: com um pé atrás, assim que souberam de quem se tratava. Mas decidiram fazer o que Souza lhes pedia. “Afinal, o cara tem faro. Não perdeu nenhuma aposta até aqui”, concluíram, ao mesmo tempo, embora cada qual no seu canto e à sua maneira.

Feito isso, o editor ligou para a “vedete” da sua editora, o escritor que ocupava o terceiro lugar na lista dos livros mais vendidos da revista Veja e que tinha, portanto, forte apelo popular e, sobretudo, credibilidade junto ao público. Pediu-lhe que escrevesse um prefácio, urgentíssimo, para “Um caso de amor”. Assim que soube de quem se tratava, porém, o jovem best-seller teve reação idêntica à dos críticos. Ou seja, a de uma certa dúvida sobre a aposta de Souza. Prometeu, contudo, ler o romance e, se “gostasse”, fazer o que o editor lhe pedia.

O dia do lançamento, ocorrido na livraria Megastore, no Shopping Morumbi, foi uma loucura. Uma multidão de ávidos leitores acorreu ao local em busca de uma dedicatória, de uma mensagem ou de um simples autógrafo do escritor, que já estava sendo chamado de “Fênix Literária”, pois, a exemplo da mitológica ave, havia renascido das próprias cinzas.

A procura surpreendeu todo o mundo, em especial os editores de arte dos grandes jornais que, ao saberem da concentração popular, enviaram, às pressas, repórteres e fotógrafos ao local do evento e reservaram espaços em suas respectivas edições, que iriam atrasar seus deadlines, para desespero do pessoal da circulação.

As críticas foram, como Souza já esperava, favorabilíssimas. Pudera, o livro era, de fato, muito bom. Mais parecia uma reportagem – posto que em tom ligeiramente poético – do que um romance. Tinha poesia, humor, cenas de sexo, garra, paixão, verossimilhança etc. Ou seja, contava com todos os ingredientes que compõem um marcante best-seller.

O editor só não esperava um êxito tão fulminante. Mandara, para a livraria, na noite do lançamento, quinhentos exemplares, certo de que estava exagerando na dose. Se exagerou, porém, foi no pessimismo. Essa quantidade não deu nem para esquentar. Por três vezes, teve que enviar, com urgência, a mesma quantidade de cada vez e ainda assim houve quem saísse da livraria sem conseguir comprar o livro. Theobaldo estava, pois, no topo do mundo.

No lançamento, no Rio de Janeiro, ocorrido no Teatro Vanucci, no Shopping da Gávea, a história se repetiu. Os dois mil exemplares que a editora enviou se esgotaram em pouco tempo. Muita gente (dezenas de pessoas) saiu frustrada dali, resmungando, por não ter conseguido comprar o sucesso editorial do momento.
“Seu Theobaldo, seu Theobaldo, por favor, uma palavrinha para os telespectadores da Globo”, interrompeu-o, afoito, um repórter de televisão. O escritor, solícito, dispôs-se a atender o interlocutor.

“Dizem, por aí, que seu romance é baseado em fatos reais. O senhor confirma esses rumores? E, se for, Lenora continua morando na Itália?”, perguntou-lhe, de chofre, o repórter.

Theobaldo sorriu, piscou para Cristine, sua jovem, alta e loira nova secretária – que se caracterizava, além da estonteante beleza, por um par de seios de enlouquecer qualquer mortal – e desabafou: “Fatos reais? Que nada, amigo! O romance é fruto exclusivamente do talento, da criatividade e da imaginação. Quem dera que a vida fosse assim tão bela!”.


 
FIM


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49 (edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de 1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página 54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk 



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