terça-feira, 18 de agosto de 2015

Ter e o ser


* Por Evelyne Furtado


O fenômeno social não é novo. Uma visão rápida da história mostra-nos que a sociedade há muito cultua a posse de bens como forma de alguns indivíduos se posicionarem acima de outros menos favorecidos economicamente. A literatura é uma boa fonte de informações sobre o assunto. A “Comédia Humana” de Balzac dá-nos inúmeros exemplos de como os franceses da época valorizaram bens e títulos. O próprio autor vivia atordoado por cobradores para poder fazer uso dos símbolos sociais em voga.

A ânsia de status é antiga, mas creio que atualmente tem como conseqüência uma inversão quase total nos valores. Cresci numa época pós-hippie e fui influenciada pela contracultura que pregava a paz e o amor ao invés das riquezas materiais. Época na qual buscávamos ser o mais autêntico possível e que eram consideradas feias as ostentações. Todavia, essa tribo foi sucedida nos anos 80 pelos yuppies – geração de riquinhos americanos entre 20 e 40 anos que seguiam a moda em todos os sentidos. O capitalismo era então assumido entre os jovens sem disfarces. E o consumo passou a ser incentivado pela mídia de forma avassaladora. Hoje, se encontra no ápice.

Não condeno quem gosta de se vestir e de comer bem, ou ainda de oferecer o melhor aos filhos. Mas deploro essa insanidade que acomete as pessoas ao acharem que a aquisição de bens, o uso de certas griffes e a demonstração de riqueza as tornam melhores. Sinto até piedade de alguns, pois se mostram o quão frágeis são ao se apegarem a ícones do consumo para encobrir uma auto-estima baixa. Não sou santa, não. Também cometo meus pecadilhos nesta área, mas não aquilato as pessoas pelo que elas têm, e sim pelo que são.

Claro que admiro o sucesso como resultado de trabalho e talento, porém meus olhos buscam sempre as qualidades interiores. Inteligência, generosidade, humildade, sensibilidade e gentileza em uma pessoa são a mim mais atraentes. Gestos nobres me encantam; pessoas simples me comovem. O que mais aflige é perceber que ao se priorizar o "ter" tudo passa a ser justificado para a obtenção dos símbolos de status. Não importa se você corrompe ou é corrompido; não importa se você pisa no pescoço de um concorrente para conseguir um cargo; não importa a maneira como você consegue. Importa que você consiga alcançar o patamar almejado. Numa distorção de valores preocupante.

Entretanto, consola-me saber que existem pessoas construindo pontes que as levem aos semelhantes, através da religião, do auto-conhecimento, da dedicação às crianças e aos adolescentes carentes material e afetuosamente. Gente exercendo o amor no sentido maior. Conforta-me perceber jovens e adultos aprimorando-se como seres humanos e vencendo preconceitos; deitando olhares de compreensão e ternura sobre os outros.

Acredito que compete a cada um de nós, que conseguimos ver o perigo nesse consumismo doentio, focarmos a riqueza interior de cada indivíduo e fazermos ver como é mais valiosa a sinceridade de um gesto terno do que um "prêmio" ganho desonestamente que venha atrair para quem recebe o seu inferninho particular.

Cabe aos formadores de opinião, aos professores e aos pais a missão de ressaltar os valores reais antes que a sociedade se deteriore definitivamente, pois ser bom é bem mais vantajoso para a humanidade do que ter bens. Afinal, não se consegue paz de espírito comprando o carro mais caro, e sim, cultivando virtudes que servirão a todos.

" Nós precisamos começar a amar para não adoecer" (Sigmund Freud).

* Poetisa e cronista em Natal/RN
                          


2 comentários:

  1. Infelizmente uma pregação no deserto. Os diferentes querem ser iguais para não ser discriminados. Desse modo, vamos comprando a torto e a direito, entupindo nossas casas, fazendo lixo às toneladas e emporcalhando o mundo.

    ResponderExcluir
  2. Evelyne, realmente o que Mara disse: "Infelizmente uma pregação no deserto." O nosso povo é muito religioso e quando você diz: "consola-me saber que existem pessoas construindo pontes que as levem aos semelhantes, através da religião..." Eu descordo, porque usam o nome de
    Deus em vão. Quem já não leu aqueles adesivos nos vidros
    traseiros dos carros? "Deus me deu de presente”,
    “Esse carro é propriedade de Jesus”,
    “Esse veículo é guiado por Deus”,
    “Deus é fiel...” Não passa num concurso e com apadrinhamento religioso consegue e diz: "Graças a Deus"!!!

    ResponderExcluir