segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Fome ou amor?

* Por Daniel Santos

Chegou com cara de fome e pediu um prato de comida em troca de qualquer serviço. Antes da previsível negativa, empurrou o portão, tomou a vassoura das mãos da mulher e repetiu “qualquer serviço, ‘viu dona’”.

Varria com gestos bruscos, rosto crispado de urgências e narinas infladas de infalível olfato: ela lhe preparava alguma coisa, intuiu. Entrou pela cozinha e deu cabo do sanduíche com voracidade de assustar.

Mas ele queria mais e pediu outro serviço. Intimidada, a sós com um desconhecido dentro da própria casa, a mulher sentiu medo da fome dele e, voz sumida, garganta seca, disse que o almoço saía logo, logo.

Panelas no fogo máximo, e ela agora mais aflita, porque o tal avançava pelos aposentos, à procura de tarefas que lhe rendessem comida ou dinheiro. Era homem e tinha de se sentir homem. Ou era ninguém?

Esbarraram-se no quarto: ela aturdida, ele só iminências. E suas  mãos desocupadas encontraram-na. Tomou-a, beijou-a, sem saber se o movia a fome ou o amor. Estacou, então, aturdido. Ela, agora, iminências.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.



Um comentário:

  1. Urgências, emergências, iminências. São tantas as pressas da vida que é melhor começar tudo ontem.

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