A inesquecível virgem dos lábios de mel
A literatura brasileira, tanto a de ficção quanto a de
não-ficção, é riquíssima, no entanto, pouco e mal divulgada. Fica a impressão,
ao leitor desavisado, que nosso País é um deserto de criatividade em que
despontam, apenas, alguns raros e esparsos bons escritores. Nada mais falso! Se
você atentar para as relações semanais de livros mais vendidos nas principais
livrarias, sobretudo dos grandes centros, publicadas em alguns jornais e
revistas, notará que a imensa maioria é constituída de obras estrangeiras. Não
sou xenófobo, contudo, isso me incomoda. Reflete o descaso, e até certo
preconceito, em relação aos nossos escritores. Talvez isso explique (claro qie
não “só” isso) a razão de nenhum brasileiro jamais ter sido mundialmente
reconhecido com a outorga do Prêmio Nobel de Literatura.
Temos magníficos ficcionistas, romancistas, contistas e
novelistas de mão cheia, que nada ficam a dever aos melhores, aos grandes
expoentes internacionais. Em seus tantos livros, óbvio, criaram e criam
personagens marcantes, quer masculinos quer femininos, que retratam, com
exatidão, nosso povo, nossas características físicas, nossos costumes,
tradições, enfim, nossa variada cultura, influenciada por outras tantas, alhures,
trazida para cá por imigrantes procedentes de praticamente todas as partes do
mundo. Bebo dessa fonte literária desde que me conheço por gente e essa
riquíssima literatura nossa moldou e segue moldando minha visão do Brasil, do
homem brasileiro e, por consequência, do que sou.
No contexto das personagens femininas inesquecíveis, muitas
emergem, desde os primórdios do que pode ser classificado como “Literatura
brasileira”, cada qual descrita e destacada de acordo com a época em que os
escritores que as criaram viveram. A apresentação de mulheres que
protagonizaram grandes enredos na visão dos românticos difere muito da dos
naturalistas e, principalmente, da dos modernistas, cada qual com o pensamento
em voga do seu tempo. Nem por isso, todavia, devem ser consideradas menos
importantes, ou desimportantes. Muito pelo contrário. Noto certo preconceito em
relação às obras da época do romantismo, por exemplo, o que considero absurdo e
sumamente condenável, por ser injusto.
Uma das personagens femininas que muito me impressionaram e
que jamais consegui esquecer é Iracema, protagonista do romance de mesmo nome
de José de Alencar. O livro inteiro é uma espécie de metáfora do surgimento do
povo cearense. O autor deixa isso bastante claro. Tanto que o título original
desse livro, publicado pela primeira vez em 1865, era “Iracema – Lenda do Ceará”.
Trata-se de magnífico poema em prosa, epopéia que, sem exagero, nada fica a
dever a “Os Lusíadas”, ou à “Odisséia”, ou à “Eneida”, ou a outras tantas,
clássicas da literatura mundial.
Leia com atenção, e com espírito aberto, esta introdução de
José de Alencar a esse delicioso romance e diga, esclarecido leitor, se é ou
não é trecho de inesquecível poema:
“Verdes mares bravios de minha terra
natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares que brilhais como líquida
esmeralda aos raios do Sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de
coqueiros.
Serenai verdes mares, e alisai docemente
a vaga impetuosa, para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afoita jangada, que deixa
rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela? Onde vai como
branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano? (...)”.
Lindo, não é mesmo? E pouco valorizado. Tudo nesse romance,
que integra, ao lado de “O guarani” e “Ubirajara”, a trilogia indigenista desse
prolífico escritor, é simbólico, é poético, é metafórico. Iracema, por exemplo,
forma um anagrama de “América”. Ademais, trata-se de um nome brasileiro,
brasileiríssimo, que não vamos encontrar em nenhum outro país, porquanto é uma
expressão indígena, do nheegatu, que significa “enxame de abelhas”. José de
Alencar, todavia, interpretou esse significado à sua maneira, de forma mais
poética, caracterizando Iracema como a “virgem dos lábios de mel”. Mesmo não
sendo o significado indígena correto do nome, prefiro o que o escritor cearense
lhe atribui.
Li esse romance, pela primeira vez, quando tinha, apenas,
treze anos de idade. Embora não compreendesse seu significado simbólico,
sobretudo a metáfora que encerrava, encantei-me com ele. Reli-o em diversas
outras ocasiões. Aliás, estou, neste momento, com um exemplar dele em mãos, e à
medida que o folheio, encontro mais e mais beleza, a que antes não havia
atentado. E Iracema, a personagem feminina que desde a primeira leitura se
fixou, a ferro e fogo, em minha mente e em meu coração, se torna mais e mais
inesquecível, assim como seu romance com o colonizador português Martim, que
resultou no filho do casal, Moacir, o primeiro cearense, de fato e de direito,
nessa genial metáfora de José de Alencar em forma de romance.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
De fato, José de Alencar foi bom, reparo agora. O ruim é que a escola nos impõe livros desta envergadura quando mal saímos das fraldas, com catorze, quinze anos. Li Lucíola, Senhora, O Guarani e Iracema, que tinha os cabelos tão escuros quanto as asas da graúna. Era difícil para mim, e me afugentou. Jamais voltei a lê-los.
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