Orlando Porto
* Por Ivan Lessa
Orlando Porto. Taí um
nome como outro qualquer. Podia ser corretor de imóveis, deputado, ministro,
farmacêutico. Mas não é. Trata-se de um anagrama de um escritor francês – e
ator e ilustrador bom e autor e figurinha difícil francesa e aquilo que se
poderia chamar de “frasista”.
Feio como um demônio,
no meio da década de 50 cansei de dar com ele dando comigo lá pelo Boulevard
St. Germain, cheretando o Flore, o Lipp, fazia uma cara que quem ia dizer algo
importante e logo sumia na companhia do Jean-Pierre Léaud, aquele maluquinho
dos filmes autobiográficos do Truffaut.
Dupla estranha. Os
desenhos do —esse seu nome, artístico ou de batismo, Roland Topor— eram
bacaninhas. Mas sempre foi Orlando Porto para mim.
Fez cinema também. O
Inquilino do Polanski, o Reinfeld deNosferatu, do Werner Herzog. Até que bateu
o que ocultava seus pés: umas botas estranhas como ele.
....
De vez em quando, numa
revista esotérica, dou com ele. Ei-lo numa em inglês com “100 boas frases para
eu matar agorinha mesmo”. Se chegou ao fim, e chegou, foi pelo cachê. Meros
galicismos literários.
E aí trago à cena, mais
uma vez, porque cismei, mestre Millôr Fernandes. Esse era profissional. Nada a
ver com “frasista”. Trabalhava com a enxada dura da língua. Nunca para dar a
cara no Flore, principalmente com Topor e Léaud.
Reli umas 100 frases do
Orlando, ou Topor, e não resisti à tentação de, em algumas delas dar-lhes uma
ginga por cima e outra por baixo, à maneira do frescobol querido do mestre, só
para exercitar os músculos muito fora de forma.
Cem razões: Faço por
bem menos, mas mais Copacabana e Leblon. Algumas raquetadas minhas em homenagem
ao mestre cuja falta continuo sentindo:
- Melhor maneira de
verificar, antes, se já não estou morto.
- Mas não se mata
cavalos e malfeitores?
- Pelo menos eu driblaria
o câncer.
- Milênio algum jamais
me assustará.
- Apanhei-te horóscopo!
Pura enganação!
- Levo comigo a
reputação de meu terapeuta.
- Pronto, agora não
voto mais mesmo! Chegou!
- Aí está: uma cura
definitiva para a calvície.
- Enfim cavaleiro do
reino de sei lá o quê.
- A vida está pelos
olhos da cara. Pra morte eles fazem um precinho especial, combinado?
- Enfim, ano bissexto
nunca mais. Esses ficam para o Jaguar. O resto pro Ziraldo.
- Ao menos é uma boca
de menos a sustentar.
- Só quero ver quanta
gente vai sincera no meu funeral.
- Pronto! Inaugurei
estilo novo: Arte Morta.
- Sabe que minha vida
não daria um filme. O livro eu já escrevi. Deixem o desgraçado em paz,
peço-lhes.
- Custou, mas estou
acima de qualquer lei que vocês bolarem aí.
- Levou tempo, mas
cortei enfim meu cordão umbilical.
- Roncar, nunca mais.
Nem eu nem ninguém ao meu lado.
- Que desperdício nunca
ter fumado em minha vida!
- Consegui preservar o
mistério sempre giarando em meu torno.
- Maioria silenciosa?
Essa agora é comigo.
- Na verdade, nunca me
senti à vontade nessa posição incômoda de cidadão do mundo.
- Ei, juventude, pode
vir que pelo menos uma vaga esrá aberta.
- Emagrecer é isso
aqui.
- Agora é conferir se,
do outro lado, sobraram tantas virgens assim.
E assim, cada vez que
um”frasista” passar por perto de mim, leve uma nossa: minha e de Millôr. Dois
contra um a gente ganha mole.
*
Escritor, membro da Academia Brasileira de Letras
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