Convivência com a dor
* Por Pedro J. Bondaczuk
A dor é um mecanismo de alerta de
que a natureza nos dotou para avisar que algo não está bem em nosso organismo.
É, portanto, sintoma e não a própria doença. Além do que, muitas vezes, é
subjetiva. Se uma pessoa, por exemplo, se queixa que alguma parte (ou várias)
do seu corpo está doendo, não há como confirmar, ou desmentir. Ninguém pode
afirmar, categoricamente, que esteja dizendo a verdade ou mentindo. Isso, mesmo
que os mais acurados exames médicos comprovem que ela está absolutamente
saudável, com “saúde para dar e vender”, como se diz amiúde.
A farmacologia desenvolveu vasta
gama de medicamentos – alguns, com gravíssimos efeitos colaterais, daí ser
tremenda imprudência, senão rematada e perigosíssima burrice, a auto-medicação,
tão comum, mundo afora – para aplacar a dor. Os especialistas na matéria,
porém, sabem, de sobejo, que não deve ser ela a ser combatida, mas o que a
causa. Nem sempre, porém, isso é possível. Há doenças que ainda são incuráveis
(pelo menos em estágios mais avançados). Nestes casos, é até questão
humanitária o alívio, posto que momentâneo, do sofrimento.
Nem só os doentes, porém, têm que
conviver freqüentemente com a dor. O oposto, ou seja, as pessoas com saúde
invejável, que se destacam da maioria por seus privilegiados dotes físicos, com
musculatura, ossatura e metabolismo perfeitos, também são forçadas a essa
incômoda convivência. E como!
Refiro-me, especificamente, aos
atletas e, mais particularmente, àqueles classificados como de “alto
rendimento”, que superam recordes e mais recordes em pistas, quadras, campos e
piscinas e conquistam títulos e mais títulos, inúmeras medalhas de ouro em suas
respectivas modalidades (coletivas ou individuais, não importa) em competições
de ponta como Olimpíadas e Campeonatos Mundiais. São os que ampliam os limites
físicos do ser humano, pela força, resistência, velocidade e/ou impulsão que
têm, muito além do que é tido como “normal”.
Estes têm sempre uma certeza:
para chegar onde pretendem, vão conviver, pelo tempo em que durarem suas
carreiras esportivas, com a dor. E não me refiro, apenas, às freqüentes lesões
musculares, de articulação, ósseas, dos joelhos, das coxas, da virilha, da
coluna etc. causadas ora pelo esforço repetitivo dos intermináveis treinamentos,
ora por traumatismos de diversas causas, intensidades e naturezas.
A vida de um atleta de ponta
nunca é fácil. Ademais, ele jamais tem a garantia de que seu empenho, sua
autodisciplina, sua força de vontade e tantas outras virtudes que caracterizam
campeões, serão suficientes para alcançar o tão almejado sucesso. Seus
adversários são do mesmo nível, têm os mesmíssimos objetivos e as mesmas cargas
de treinamentos e podem mostrar essas mesmas características em grau muito
maior e, dessa forma, superá-los.
Em qualquer competição, seja de
que natureza for, haverá, seguramente, um, e apenas um, vencedor. E este pode
não ser você, caso seja o atleta de alto rendimento a que me refiro, a despeito
de todo o sacrifício – não raro sobre-humano – a que se submeteu, das privações
pelas quais teve que passar, dos investimentos, sacrifícios e, sobretudo, dores
que teve que fazer e suportar.
Quando o “fracasso” sobrevém – e,
no seu caso, é representado, não raro, pelo segundo lugar, pela honrosa e valiosa
medalha de prata – lá vai ele para novos e mais duros ainda treinamentos. Toca
a se submeter a rigorosíssimas dietas, a forçar os músculos muito além do que
já forçou, a correr mais veloz, a saltar mais alto ou mais distante, a nadar
mais rápido, a levantar maior peso etc. para superar seus limites que, a rigor,
nunca sabe quais são. Toca repetir, repetir e repetir movimentos, cada vez com
maior intensidade, tendo como resultado, com certeza, imensas dores. Mas, se
quiser vencer, tem que, não somente as ignorar, como se acostumar a elas,
suportá-las, se possível ignorá-las, numa perpétua, mesmo que (claro) incômoda,
convivência.
O artista de alto rendimento – o
que faz arte não por mero diletantismo, ocasionalmente, mas como missão de vida
– tem realidade muito parecida com a dos atletas com potencial de campeões.
Precisa, também, aprender a conviver com a dor (posto que não necessariamente a
física e, portanto, mais difícil de ser suportada). A disciplina a que tem que
se submeter é, guardadas as devidas proporções, tão rígida e constante quanto a
do atleta. Aliás, maior até do que a dele, pois não terá a mera duração de uma
carreira, como é o caso do esportista, mas dura a vida toda.
O artista de alto rendimento, por
exemplo, não tem a prerrogativa de fugir de lembranças amargas e dolorosas, de
sentimentos caóticos e contraditórios e de idéias polêmicas e, por isso,
incômodas, quando não perigosas, como os “mortais comuns”. Longe disso.
Compete-lhe, isso sim, fazer de tudo o que o judia, oprime, machuca e às vezes
desnorteia, matéria-prima para a geração do oposto de tudo isso. Ou seja, de
beleza, de poesia, de ternura, de otimismo e... de transcendência. Exagero meu?
Longe disso! Quem é artista de alto rendimento sabe muito bem a que me refiro.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do
Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em
equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por
uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de
“Lance Fatal” (contos), “Cronos & Narciso” (crônicas), “Antologia” – maio
de 1991 a maio de 1996. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 49
(edição comemorativa do 40º aniversário), página 74 e “Antologia” – maio de
1996 a maio de 2001. Publicações da Academia Campinense de Letras nº 53, página
54. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
Eu me obrigo a escrever dois textos por semana e alguns comentários todos os dias, mas não sou artista, e menos ainda de alto rendimento.
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