O dinheiro ,
a nobreza e a vaidade intelectual
Por Mara Narciso
Houve um
tempo em
que o rei ,
quando precisava de dinheiro
- e isso era
o tempo todo-, vendia títulos de nobreza. Quando
há 201 anos Dom
João VI , Rei de Portugal, chegou ao
Brasil trazendo no navio uma família real
dividida entre o medo
da guerra de lá
e o pavor dos bárbaros
de cá , trouxe com
ele uma nobreza cheia
de títulos e sem
um tostão ,
encontrando aqui na colônia
comerciantes com
dinheiro o bastante
para almejar e comprar esses mesmos títulos .
Assim , nessa época
surgiram marqueses, condes , viscondes e barões .
E entre ter
dinheiro ou títulos de nobreza, o melhor
era ter as
duas coisas . Então ,
desde os primórdio s de nossa
sociedade multi-estratificada, já
havia uma diferenciação entre os dois principais tipos
de nobres : os locais
trabalhadores ricos
e os de além mar
com as necessidades
da ostentação e a alegre
execução do ócio .
Os títulos portugueses eram hereditários ; já
os brasileiros duravam apenas uma vida .
Os anos
se passaram e os títulos de nobreza brasileiro s foram
substituídos por outros
tipos de importâncias .
O dinheiro , desde
sempre , foi um
divisor da população ,
sendo que na época
da ditadura militar
os títulos de estratificação também passavam pelas insígnias
militares . No topo
da escala havia os generais ,
embaixo , o povo
amordaçado. Sem entrar
no mérito da questão
ditatorial , a civilização
sempre encontro u
um jeito
de separar
as pessoas em
castas . Nessa época
também era
bom ter um amigo de alta patente .
Bem depois ,
veio a fase
do mil vezes
repetido “ter em
vez de ser ”. Pois o bom mesmo é ter para poder ser ,
diz quem tem. Aquela velha frase mais utilizada em
Brasília: “Sabe com quem
está falando?” é também usada a exaustão em todos os cantos
desse nosso amado
Brasil.. Numa terra
onde quase
todos pensam que
são importantes ,
fica-se até na dúvida
sobre quem
é que manda
e quem ainda
consegue obedecer .
Durante muito
tempo , o modelo
de poder em que se mostravam mansões ,
automóveis de luxo ,
jóia s
caras e viagens
internacionais serviu, mas veio a
esgotar-se. Então foi preciso criar novos e urgentes
comportamentos sociais .
O saber passou a ser uma outra moeda de troca , o que não é de todo mal . Mas as pessoas já não se satisfazem em
fazer um curso superior .
Vieram as especializações, as pós-graduações ,
os “emebieis”. Acrescentar outros
cursos superiores
também é insuficiente .
É preciso ter
um mestrado .
Quando este
termina já se pergunta
se não será feito
um doutorado ,
ou mesmo
um pós-doutorado. E o que se vê ? No lugar de ostentar títulos de nobreza, ou
de apresentar as patentes
militares , o que
se mostra hoje
são os títulos
do saber , numa clara
ostentação intelectual ,
sempre borrifada por
tola vaidade .
Assim , em
vez de colocar
nos ombros
e no peito as meda lhas e outros
símbolos do quanto
se é importante e culto ,
hoje se mostram diplomas .
Mas o cúmulo
dos acontecimentos é, em pleno sol quente de meio dia de sábado em Montes Claros ,
vermos na rua um
doutor , com
todas as letras maiúsculas
do seu imponente
título , trajando uma roupa típica de
um “peagadê” nos
Estados Unidos: roupa
social completa
da cabeça aos pés
e um jaleco
branco e longo ,
apontando-se para a população
incauta e parecendo querer
dizer : pessoal ,
olhe aqui um
pós-doutor em carne ,
osso e trajes !
*Médica endocrinologista,
jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Poder, de fato, é ter liberdade. Inclusive a liberdade de questionar e ser crítico em relação ao poder. Como você acaba de fazer, Mara. Boa lavra.
ResponderExcluirNossas convenções podem ir do absurdo ao ridículo. Nem sempre percebemos, e fazemos parte delas, inclusive as aplaudindo. Coitados de nós, Marcelo. Obrigada pela presença.
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