Manias e obsessões
* Por Pedro J. Bondaczuk
Uma das mais belas canções do
cancioneiro popular brasileiro, consagrada na voz de Elizete Cardoso (os mais
jovens não sabem, com certeza, quem foi
ela, mas a cantora foi considerada a melhor do País em todos os tempos, tanto
que acabou apelidada de “A Divina”) é “Mania de você”, cuja letra
(infelizmente, desconheço o autor, mas desconfio que seja Billy Blanco) diz:
“Entre as manias que eu tenho
uma é gostar de você,
mania é coisa que a
gente
tem, mas não sabe porque,
mania de querer bem,
mania de falar mal,
de
nunca se recolher,
sem antes ler o jornal.
De guardar fósforo usado
dentro da
caixa outra vez,
de contar sempre aumentado,
tudo o que viu e o que fez”
e vai
por aí afora.
O letrista foi sumamente feliz ao
retratar, de forma bem-humorada e poética, um comportamento que todo o mundo
tem, mas que raramente se dá conta ou admite. Desde que não seja extremado,
diga-se de passagem, ele pode até irritar os que nos cercam, mas é inofensivo.
Aliás, bem diz o ditado: cada louco tem sua mania. E creio que nenhum de nós
escapa de um certo grau de loucura (sem levar a designação exatamente ao pé da
letra, claro). Aliás, pouca gente sabe, mas a palavra “louco” é uma corruptela
do termo “lógico”. E, de fato, se atentarmos bem, há uma certa lógica na
loucura. Mas...deixa pra lá! Esse não é bem o assunto que quero tratar.
O tema que me fascina é a forma
exacerbada da mania, ou seja, o comportamento neurótico chamado de obsessão. Trata-se
da preocupação exagerada que algumas pessoas têm por determinada idéia, objeto
ou situação. Manifesta-se de diversas maneiras e é gerada, em boa parte dos
casos, por sentimentos de recalque ou por traumas, geralmente sofridos na
infância. É a idéia fixa, a extrema necessidade, a compulsão que praticamente
“obriga”, obceca, quem tem esse desvio, a repetir determinadas ações em certas
circunstâncias. Tentarei ser mais claro.
O psicólogo norte-americano Alec
Polard, que foi diretor da Unidade de Tratamento de Conduta do Instituto Wohl,
da Universidade de Saint Louis, no Estado do Missouri, afirmou, anos atrás, em
entrevista, que 60% dos seus pacientes tinham, associada a outras manias, a
necessidade patológica de lavar as mãos. Agiam como se fosse questão de vida ou
morte. Tinham um medo intenso, raiando o absurdo, o pânico, o terror, de
sujeira, de germes e de doenças que estes poderiam eventualmente provocar.
Polard, que foi um dos mais
conceituados especialistas mundiais no tratamento da conduta
obsessivo-compulsiva, acrescentou que o principal objetivo de quem age dessa
maneira é, através desse gesto exagerado de assepsia, aliviar a ansiedade.
Revelou que alguns dos seus pacientes chegavam ao cúmulo de tomar até cem
banhos num único dia, usando, não raro, poderosos detergentes, tão corrosivos
que chegavam a lesar sua pele. E pensar que há pessoas que são piores do que
gatos e morrem de medo de água. Mas...deixa pra lá.
Outra obsessão curiosa que o
psicólogo observou foi a dos chamados “supervisores”. Dos que examinam,
minuciosamente, portas, janelas, bicos de gás, luzes, fechaduras e tudo o que
nas suas mentes doentias pareça se constituir em foco de perigo (remoto ou
iminente, não importa) antes de saírem de casa para o trabalho, passeio ou
lazer. Às vezes chegam ao extremo de cancelarem as saídas, temendo que na sua
ausência algum desastre ou tragédia venham a acontecer.
Claro que nem todas as obsessões
(ou manias, como queiram) são tão extremadas, e elas existem aos milhares.
Algumas são tão comuns, que as pessoas que as têm nem se dão conta e as que com
elas convivem chegam a achar que se trate de conduta “normal”. Quase nunca é.
Polard cita, entre estes casos, os indivíduos (se eu fosse policial os
designaria de “elementos”) que, por exemplo, dão murros na mesa, por qualquer
coisa, quando querem impor, na marra, suas opiniões. Certamente o leitor já
cansou de ver essa atitude, talvez tenha até sido vítima dela, mas nunca achou
que quem a toma fosse neurótico. No
máximo pensou que se tratasse de um mal-educado. Mas é maníaco, e dos bons.
Outros maníaco-compulsivos são os
chamados “contadores”. Ou seja, os que sempre têm histórias, ou anedotas ou
casos para contar e, não raro, nos momentos e locais os mais inoportunos.
Contam piadas, por exemplo, em velórios ou em igrejas durante a missa. Ou
narram histórias sem fim no local de trabalho ou em sala de aula. Ou cometem
outras tantas inconveniências do tipo. Passam horas e horas tagarelando
ininterruptamente, às vezes sem sequer tomarem fôlego, sem se importar com o
relógio ou com o visível mal-estar dos atormentados ouvintes. Gozado, conheço
esse tipo por outro nome: chato!!!
Há, ainda, os que guardam toda e
qualquer bugiganga que encontram, como barbantes, plásticos, pregos
enferrujados etc.etc.etc. Até caixas de fósforos usados, como diz a bem-humorada
letra da canção que citei acima, colecionam, só não podem justificar o por quê.
Nem poderiam. Nada justifica essa atitude irracional.
Tenho um amigo com essa obsessão.
A garagem da sua casa é uma sucursal do lixão da cidade. Está tão cheia de quinquilharias,
que mal cabe nela o seu carro. E ai daquele que se atrever a fazer a mínima
observação a respeito! Esse tipo de neurótico não joga quase nada no lixo,
mesmo o que, nitidamente, não tenha a mais remota serventia. Os psicólogos
classificam essas pessoas de “colecionadoras”.
Devo ter lá, também, as minhas
manias, embora não me lembre de nenhuma. Posso jurar, contudo, que pelo que
sei, não há qualquer delas que beire, sequer remotamente, a obsessão, e muito
menos a compulsão. Não coleciono, por exemplo, coisíssima alguma, a não ser
livros, em decorrência da minha profissão. Não guardo objetos inúteis, pois
gosto do máximo espaço livre ao meu redor, principalmente em minha casa. Não
dou murros em nenhuma mesa, para impor minhas opiniões, embora gostasse, muitas
vezes, de esmurrar determinados pilantras, por suas atitudes. Não fico contando
histórias, piadas ou casos para ninguém: prefiro escrevê-los. Pelo menos com os
textos, consigo faturar alguns caraminguás.
Mas tenho, sim, como todo o
mundo, as minhas manias. Não nego. A principal delas, parodiando a letra da
canção que citei, é a de “gostar de você”, caro leitor, que me acompanha, com
tamanha paciência. Mas dessa, psicólogo algum, com certeza, haverá de me
“curar”. Isso nunca! É irreversível!
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador”
– http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
TOC, o Transtorno Obsessivo Compulsivo, além de algumas manias citadas, tem também os rituais que são repetitivos, e sem nenhum sentido, gastam energia e tempo, e esgotam quem sofre disso. É diferente do Transtorno Bipolar, antes chamado de Transtorno Maníaco Depressivo, em que o humor da pessoa oscila entre a depressão (não se levanta da cama e nem banho toma), até a mania, em que se sente rico e se enche de dívidas.
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