quarta-feira, 28 de maio de 2014

O problemático hobby da leitura

* Por Fernando Yanmar Narciso

Como minha amada mãe vive a reiterar, aprendi a ler sem a ajuda de ninguém aos três anos. Num cartão de plano de saúde, havia o nome de nossa cidade, Montes Claros, e eu milagrosamente consegui decifrar o enigma sozinho, desde então não parei mais de ler. Mas a grande ironia de minha vida é que, apesar de ser um cronista relativamente conhecido e ter lançado recentemente meu primeiro livro, Um Dia Como Outro Qualquer, meus grandes adversários são, até hoje, os livros.

Certos probleminhas passaram a vida a me atrapalhar na jornada através das páginas. O maior deles é meu Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Se vocês pudessem assistir agora meu “brainstorm” enquanto escrevia essa crônica, se assombrariam com o número de vezes que interrompo o que estou fazendo para levantar e fazer coisas aleatórias e sem o menor nexo. Travo uma verdadeira guerra para me manter sentado e conduzir qualquer tarefa até o fim. Tive cá minhas razões para ser apelidado de “epilético” no colégio...

Sei que não vão acreditar em mim, mas saibam que eu era tão hiperativo na infância que consegui a proeza de ser expulso de uma escola aos quatro anos de idade! Não nego ter parte da culpa no cartório, mas o colégio onde eu estava naquele tempo era uma bagunça só, onde novas “tias” eram testadas quase semanalmente. Sem coragem de acusar a diretoria de má condução, os outros pais preferiram recorrer ao bode expiatório disponível no momento: O papai aqui!

Ao sair de lá, mãe me colocou no saudoso colégio Pequeno Príncipe, capitaneado pela grande educadora Irene Barbalho, onde permaneci até me formar no Ensino Médio. Vocês não podem calcular como Dona Irene e seu batalhão de “tios e tias” foram importantes em nossas vidas... Mas milagre eles não sabiam fazer. Fui educado como meus outros colegas, tratado igualitariamente por professores, coordenadores e diretores, o que significa que tive as mesmas dificuldades com livros que a maioria.

Lembram-se das saudosas coleções Vaga-Lume e Pra Gostar De Ler? Eram livrinhos de linguagem simples, com pouco mais de 40 páginas, que ajudaram boa parte da geração anos 80 a ingressar no hábito da literatura. Bem, eu e meus coleguinhas sequer os tivemos em mãos. Até mais ou menos o 3º ano do Ensino Fundamental, tivemos livrinhos muito simples, no estilo clássico dos livros pré-escolares: Uma gravura e um parágrafo por página. De repente tudo mudou.

Começaram a nos receitar livros de verdade, mais grossos, sem gravura alguma e com letras cada vez menores. Nem as apostilas que tínhamos na época eram desse jeito! Lembro-me de um dia que eu choramingava com um primo por ter de ler um livro de umas 90 páginas para uma prova, que o tal livro era uma tortura, coisa e tal. E ele, que já estava a dois anos de distância do Ensino Médio, veio se gabar por precisar ler o Diário De Um Mago, de Paulo Coelho, que tinha inacreditáveis 248 páginas!

Em primeiro lugar, tentem contemplar em suas mentes a imagem de precisarem ler Paulo Coelho para uma prova... Não é assustador? Depois, pensem na necessidade de não apenas ler 248 páginas do autointitulado místico, mas de INTERPRETAR o que ele quis dizer e responder na prova, de maneira clara o bastante para a professora entender o que você escreveu e lhe dar a nota que mereceu por sua provavelmente sofrível dissertação.

É pressão demais pra um menino que quer sair pra jogar bola na rua daqui uma hora! Sorte que meus professores tiveram juízo para não nos receitar as aventuras de Coelho através do caminho de Santiago e Compostela... Mas não juízo o bastante para nos passar tarefas ainda mais estrambóticas! De repente nos víamos atirados no meio do universo da linguagem rebuscada e floreada do século retrasado/ início do passado.

Como ou por que forçariam um menino de 14 anos, com TDAH ou não, na era da TV e do videogame, a conhecer as estripulias de Bentinho e Capitu, o gado humano que vivia no cortiço de São Romão, Bom Crioulo e seu idolatrado donzelo Aleixo e o freudiano Simão Bacamarte, com a pressão de ler tais obras em um mês, entendê-las o suficiente para fazer uma prova e esperar que ele se apaixone pela literatura clássica brasileira no caminho?

Isso É latrocínio literário! Não há a menor chance de conseguir conquistar novos leitores numa condição tão adversa. Essas obras traumatizam várias gerações de jovens leitores com sede de conhecimento, e os professores ainda ficam coçando a cabeça, tentando descobrir porque os jovens de hoje fogem dos clássicos do mesmo jeito o Cascão foge do chuveiro...


Cresci olhando para um tubo de imagem. Meu conhecimento científico e filosófico veio de desenhos animados, da Ciranda da Ciência, dos programas de Gérson de Abreu, do X-Tudo, do Mundo de Beakman e dos CDs do Prof. Pachecão. Por que vocês, pedagogos que me leem, demoraram tanto para começar a se adaptar aos novos tempos? Os quatro ingredientes essenciais para o aprendizado são o despertar da curiosidade no aluno, agilidade, linguagem simples e, principalmente, muita teimosia. Aprendam isso e mudem o país!

*Designer e escritor. Contatos:
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Um comentário:

  1. Eu sei como era: lia um pedacinho e ia passear. Finalizar era o grande desafio. Mas enfim, passou a gostar e leu livros imensos e difíceis, desde que fossem assuntos do seu interesse.

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