Literário

O golpe do torpedão

* Por Risomar Fasanaro

Ouvi o toque de alerta de mensagem no celular e cliquei para ver o que era. Imagine, a mensagem dizia:
“Este celular foi premiado com 30 mil reais no Torpedão do Faustão. Ligue para o número 031-8596....” Não vou colocar aqui o número inteiro que não sou besta.
Comentei com meu filho: deve ser golpe... Mas mesmo assim resolvi ligar. A curiosidade era grande. Quem sabe eu fora mesmo premiada? Tudo pode acontecer. Meu filho me previne: tudo indica que é golpe mãe, não informe o número de nenhum documento.
Antes de ligar, tomo um copo d’água, respiro fundo e sonho: e se for verdade? O que farei com o dinheiro? Publico meu livro de contos, um com as poesias que venho escrevendo a partir de 2009...ou vou a Palermo em busca de minhas Raízes? De lá dou uma esticada a Paris e fico uma semana inteira indo ao Museu D’Orsay todos os dias. Chegaria pela manhã e só sairia no final da tarde, para ver o pôr-do-sol às margens do Rio Sena. Já me vejo em Paris. Nesta época não há frio, e “Paris é uma festa”.
Incrível como em três minutos a mente da gente viaja. E se é pra sonhar, nada de economias...
Mas é hora de entrar na realidade. É hora de saber que o mundo não é o que a gente sonha, mas este em que vivemos.
Liguei e a voz do outro lado anunciou: “Rede Globo de Televisão. Pois não...”
E eu do lado de cá da linha: recebi uma mensagem no meu celular dizendo que fui premiada com 30 mil reais...” E do lado de lá alguém pergunta: “qual seu nome por favor... “ digo e a voz: “meus parabéns, dona Risomar. Meu nome é Rafael Lazaroti. Pode começar a comemorar e a pensar o que vai fazer com os 30 mil... Tem alguém aí ao seu lado pra comemorar esta felicidade?” E eu, humildemente: “Tem meu filho.” “Quantos anos ele tem?”
Penso no livro “O Pequeno Príncipe” e respondo: “preciso dizer a idade dele?” Não, não dona Risomar, nem a sua, não vou pedir nenhum documento à senhora, ninguém vai lhe pedir nenhum documento. Apenas quero que a senhora pegue caneta e papel e me ligue daqui a 5 minutos. Foi o que fiz.
Mais uma vez meu filho me diz: é golpe, mãe, não entre nessa.
Mas pra quem escreve é difícil resistir a uma situação dessas. Quis ver até onde iria aquele episódio.
Quando liguei ele começou a perguntar: “qual sua profissão?... A Sra. gostaria de participar do programa do Faustão?” E eu: “não, sou muito tímida, tenho de ir?” “Não”, ele responde. “A Sra. não precisa ir ao programa, mas pode mandar alguém representá-la. A Sra. tem direito a três passagens de avião e hospedagem em hotel com tudo pago por nossa produção. O filhão não quer ir?” Pergunto e meu filho diz que não. E acrescenta: “desliga, mãe, isso é 171, você vai pagar uma nota por essa ligação, é celular...”
O “anjo Rafael” continua: “levando-se em conta que o salário mínimo é de quinhentos e poucos reais, quantos salários mínimos a Sra. tem no banco?”
Naquele instante passo a ter certeza de que é um golpe. Respondo: “por que o Sr. quer saber disso? O que interessa à Rede Globo quanto eu tenho no banco? Isso é trote? Estou achando que é...”
Ele me interrompe com certa rispidez: “dona Risomar, se a senhora está desconfiando de mim, desligue. A Sra. sabe que trote é crime, que dá cadeia. Este telefonema está sendo gravado”.
“Não”, digo, “pensei que talvez algum amigo meu estivesse fazendo uma brincadeira”.
Ele diz: “não, não é brincadeira. Sou funcionário da Rede Globo e tenho responsabilidade. A Sra. vai receber os 30 mil. Já pode ir pensando no que vai gastar...Amanhã vou ligar para seu celular e quando a Sra. atender vai dizer a senha que é: ‘obrigado, Rede Globo por esta oportunidade. Estou com meu comprovante em mãos’. A Sra. não pode dizer alô, entendeu? Tem de dizer exatamente isso”.
Pergunto: “não posso agradecer com minhas palavras?” “Não, não, a sra. vai dizer exatamente o que lhe ditei. Esta é a senha. Quando a Sra. disser esta senha, eu vou lhe passar as instruções para ir ao caixa automático da sua instituição bancária, digitar outra senha. Depois a Sra. vai digitar novamente para sair o comprovante com os dados da Rede Globo. Com esse comprovante a Sra. vai poder retirar os 30 mil em qualquer uma das agências ligadas à Rede Globo: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal ou Itaú”.
Desligo, respiro fundo e constato: “o sonho acabou”.
Venho pro computador e acesso o Google. Digito: Torpedão do Faustão e vejo uma lista de golpes exatamente do mesmo jeito, com o mesmo prefixo de telefone.
Hoje um amigo me liga pra contar que também recebeu a mesma mensagem. Só que pra ele “doaram” o dobro do prêmio: 60 mil reais. Fico indignada. Até nos golpes nós mulheres somos discriminadas e recebemos menos?

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.