terça-feira, 24 de agosto de 2010




Terceiro canto suicida para Narciso

* Por Talis Andrade

Do espelho
não teme Narciso
os estilhaços
a morte repentina
na ponta do punhal
a queda de um raio
a bomba
o câncer
o veneno letal
de um crime passional

Bem-vinda a morte
que este esperar
os dias emperrados
o relógio parado
os dias perdidos
a previsível vida vivida
em um estado
de presente constante
os dias vagabundeando
numa ociosidade compulsória
os dias devagando
na mesmice de sempre

Bem-vinda a morte
se não transfigura
a formosura do rosto
e no fundo do poço
não incha o corpo
como se empanturra
um boi de corte
em um curral de engorda

Bem-vinda a morte
se as reminiscências
os castelos da infância
os castelos de areia
perduram incólumes
nos olhos de peixe

(Do livro “Cavalos da Miragem”, Editora Livro Rápido – Olinda/PE).

* Jornalista, poeta, professor de Jornalismo e Relações Públicas e bacharel em História. Trabalhou em vários dos grandes jornais do Nordeste, como a sucursal pernambucana do “Diário da Noite”, “Jornal do Comércio” (Recife), “Jornal da Semana” (Recife) e “A República” (Natal). Tem 11 livros publicados, entre os quais o recém-lançado “Cavalos da Miragem” (Editora Livro Rápido).

3 comentários:

  1. "Bem-vinda a morte
    se não transfigura
    a formosura do rosto"


    Poesia visceral, contundente e bela.
    Abraços

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  2. Belo poema! Mas que a morte tarde, que se atrapalhe e não nos ache, Tális!
    Abraços

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  3. Se Pessoa criou heterônimos, Talis, sem pessoa de outro nome, é outra pessoa com o mesmo nome.
    Esse personagem-poeta, e de tal modo personagem que nos faz sempre imaginá-lo uma outra pessoa, é o que nos conforta, porque sabemos que não cometerá a morte física do cidadão e homem Talis.
    Vitória da poesia, sobrevivência do poeta. Para nossa felciidade.

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