quarta-feira, 7 de junho de 2017

Quando vem a morte e a maturidade plena não acontece


* Por Mara Narciso
 

Parece que sobra tempo na velhice aposentada, mas ele se escasseia. A aposentadoria dá a falsa impressão de excesso de tempo. Quanto engano! Não há tempo a perder num dia vazio. Encha-o! Jogar o corpo no sofá, mirando teto, sem nada fazer, é desperdício imperdoável. Em honra ao ócio, muitos lamentam lá na frente. Quando se pergunta ao moribundo o que quer, a resposta será: quero tempo. Não o desperdice com julgamentos, avarezas, ódios, medos. Gaste conversando com quem merece, produza para si e os outros, seja bom, mantenha ou recupere a saúde, coma pouco, faça ginástica. Para o idoso ter autonomia por mais tempo, precisa se adaptar à redução dos sentidos, equilíbrio e força, buscando ajuda na fisioterapia, Pilates, musculação, pois não se perde apenas massa óssea, mas também músculos.
 
A maturidade plena não é hora de lamentar, é tempo de vencer as últimas fronteiras e avançar, aproveitando cada instante, fazendo suas vontades, melhorando as limitações que surgem. Não vá a lona e nem chore a juventude perdida, porque foi vivida, e que tenha sido na construção de prédios com tijolos de boas ações. Erros? Quem não os teve? Avance! Isso aqui não são conselhos, e sim reflexões sobre a morte.
 
Que os jovens enxerguem o idoso não como um estorvo, e sim como um vencedor, que chegou lá. Quando se perde uma amiga jovem, que foi acometida por uma doença devastadora, de uma voracidade que lhe comeu até os ossos, mas não a esperança, é quando se vê que envelhecer não é um mal, é um privilégio.
 
Nascida em 25 de fevereiro de 1972 e falecida em 02 de junho de 2017, tenho certeza que Rosângela Alves queria envelhecer, pois tinha ganas de trabalhar e viver. Quando falo da querida amiga e ex-colega do curso de Jornalismo - 2006 a 2010 -, misturo assuntos, velhice e morte, lamentando tê-la perdido. Pele clara, alta, cabelos loiros, era naturalmente elegante e tudo que fosse jogado sobre seu corpo bem feito ficava chique. Coisas de rainha. Seus filhos Rodrigo e Pedro são carinhosos com a mãe, e como a mãe, repetindo o que aprenderam com ela.
 
Rosângela não ficou velha. Eu fiquei, e quero ficar ainda mais. Não é isso que se deseja a quem faz aniversário, que tenha muitos anos de vida? Ninguém quer ser velho dependente, mas muitos querem vida produtiva e longa. Então, mãos a obra, aceite a vida e suas dores, mas altere o que pode ser modificado. Faça visitas (eu consegui visitar Rosângela há quatro meses, no exato momento em que soube da doença dela), antes que se percam os amigos.
 
Agora é com você, amiga amada. Fiquei mais pobre, pois a sua passagem enriqueceu a minha vida, tanto, que me chegam lágrimas enquanto escrevo. Obrigada pelas entrevistas que fez com meu filho Fernando Yanmar Narciso, ampliando o amor-próprio dele. Devo eterna gratidão a você, por isso e outras amabilidades. Agradeço pelo convívio com suas gritantes força, coragem, dignidade e capacidade de superação. Humilde, mas nunca resignada, foi profissional que a cada dia trabalhava melhor. Seu humanismo e habilidade em entrevistar no Programa Revista Gerais na TV Gerais fizeram a sua equipe ganhar o Troféu Imprensa. Eu vi você se arriscar, ousar, vencer barreiras, com doçura e meiguice. Onde arranjava tanta suavidade e montes de sorrisos? Você era uma romântica realista, que, com esforço próprio, saltou dos sonhos dos versos juvenis para a conquista de autonomia e liberdade. A doença é vil, a morte é má. Meu consolo são as lembranças que ficaram. Pouquíssimas arestas você deixou. Nenhuma em mim. Grande mulher! Eu fui me despedir de você. Doeu e dói, pois o nosso adeus foi para sempre!


* Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”



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