domingo, 4 de junho de 2017

O descobrimento




* Por Bernardo Élis



Um tropel maluco
de mil patas
no seio das matas.
Um tiro de trabuco
deu um bruto soco
na quieteza virgem da paisagem.
E homens da cor-de-areia,
vindos da banda do mar,
chegaram à beira do Rio Vermelho,
resolveram-lhe os poços azuis
em que dormiam palhetas cor-de-brasa
e deitaram-lhe fogo às águas claras.
 
E o velho pajé muito velho,
cabeça branca das cinzas de muitas eras,
num esgar medonho de fera,
gritou: Anhanguera, Anhanguera!
 
Os homens da cor-de-areia
bateram e venceram a nação dos Goiás.
 
Mas na noite viúva,
quando o fogo sagrado lambeu a lua,
- rascar de maracás,
- zás-trás, zás-trás,
- tutucar de tantãs,
- grito de agouro: acauã-acauã,
abriu-se na mata a flor do sumaré.
E o velho pajé muito velho,
num gesto hierático de bárbaro,
erguendo as mãos para o céu,
clamou: tupã, tupã!
 
O verde novo da floresta
tinha um ar alegre de festa,
E os homens da cor-de-areia,
vindos da banda do mar,
foram tombando à beira
da fogueira que tingia a noite,
suando de frio, tremendo de calor.
 
E o verde alegre da floresta
tinha um ar novinho de festa.


(Primeira chuva, 1955)


* Advogado, professor, poeta, contista e romancista, membro da Academia Brasileira de Letras.

 

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